À frente da Secretaria para Educação da Província dos Jesuítas no Brasil e coordenando os trabalhos da Comissão de Educação da Província, o padre Sérgio Mariucci, SJ, faz uma análise do ano de 2020 e os reflexos de uma pandemia que mudou a rotina das escolas em todo o mundo. Ele destaca as lições de superação que marcaram as instituições de ensino da Companhia de Jesus em um período tão desafiador e traça perspectivas para a educação jesuíta daqui por diante. A entrevista é da Assessoria de Comunicação do Colégio Antônio Vieira. Confira!
Estamos chegando ao final de um ano atípico marcado por uma pandemia que também acabou trazendo muitos desafiosna área de educação. Qual a avaliação que o senhor faz da condução desses cenários pelas instituições educacionais jesuítas que atuam no Brasil?
Pe. Sérgio Mariucci –A educação, assim como outros setores da sociedade, foi pega de surpresa pela pandemia. Fomos colocados à prova em nos nossos valores e prioridades quando, no momento de crise, tivemos que a tomar decisões importantes e de forma rápida. Creio que, no âmbito da Companhia de Jesus, podemos assegurar que as decisões foram tomadas segundo o valor primeiro do cuidado com a vida. Este foi o princípio fundamental: seguir o protocolo da Organização Mundial de Saúde (OMS) e as orientações científicas em relação aos cuidados preventivos em relação à pandemia. Então, o valor da vida humana, da saúde de quem trabalha conosco e dos nossos alunos, é o mais importante por mais que se tenha consequências econômicas.
E em relação aos processos educacionais?
Sim, a pandemia nos ensinou muitas coisas. Muito do que já se conversava sobre a transformação digital, em poucos meses, tivemos que implementar. Nós tivemos uma experiência intensa de migração do presencial para o remoto. Ou seja, as aulas que antes ocorriam no ambiente físico da sala de aula, passaram a serem realizadas de forma remota em salas de aulas virtuais, por meio das muitas plataformas digitais disponíveis. Foi uma experiência que exigiu muito tanto dos professores como dos alunos e suas famílias. Houve algum estranhamento inicial, mas houve muito aprendizado. Para garantir qualidade neste processo, emergencial, os professores passaram por intensas atividades de formação docente em nível de atualização e capacitação em relação aos recursos didáticos digitais. Foi uma experiência ainda que dramática, mas muito bem-sucedida, em que nós conseguimos manter a operação, com qualidade, também no modo remoto, e isso é um grande sucesso que se deve ao empenho dos professores e também da boa vontade das famílias.
Então, ainda assim, foi possível para as instituições jesuítas de ensino reafirmar valores e avançar em projetos…
Sem dúvida. Tivemos, de um lado, a decisão com responsabilidade de priorizar a vida humana e, por outro, uma proatividade, no que diz respeito a atualização no processo da transformação digital. E mais:nesse processo da transformação digital também, paradoxalmente, embora nós tenhamos conseguido dar continuidade a todas as atividades de forma remota, revelou-se ali o valor da relação, tanto com o professor como entre os alunos. Então, os alunos em pleno tempo de internet 5G e da alta digitalidade, deram-se conta de que o espaço da relação humana que acontece nos ambientes de aprendizagem da escola e da universidade é insubstituível.
Quais, então, seriam as perspectivas para a educação daqui por diante?
A perspectiva é de incerteza. Nós não temos como fazer previsões seguras do que vai ser. Temos a experiência de uma transformação digital vivida nesse tempo da pandemia de forma intensa, e os ganhos obtidos não serão assim passageiros. Eles terão que continuar no processo de ensino-aprendizagem. Acho que haverá uma revisão da significação das ambiências de aprendizagem, já que nós aprendemos que há outras possibilidades para além da sala de aula, e isso a gente já discutia. Então, a ambiência remota, síncrona, no processo de ensino e aprendizagem mostra-se também eficaz. Nós, certamente, vamos ter que fazer uma avaliação, dado a experiência feita, do que permanece e do que não permanece, e a previsão que eu já posso fazer é que não haverá um retorno tal como era antes, de forma alguma. Essa experiência vai marcar, significativamente, tudo o que nós entendemos por ambiência de aprendizagem, movendo-nos a avançar mais e mais na transformação digital.
Mas, como o senhor mesmo diz, é uma transformação digital que também traz muitas reflexões…
Sim, estamos certos do quanto a transformação digital também evidencia a importância do protagonismo humano no horizonte de possibilidades pelo o qual passa, agora, a civilização. Mas, as possibilidades digitais devem contribuir e nunca substituir os espaços de relação humana, de construção de vínculos e nutrição de valores que possam tornar a vida de todos melhor. Neste sentido é importante lembrar também que a pandemia revelou que, relacionado à transformação digital, está o desafio da exclusão digital. No Brasil, há 6 milhões de estudantes, do Infantil à Educação Superior, que não têm acesso à internet. Deste número, 200 mil são de escolas privadas. Os antigos problemas de acesso à educação de qualidade tornaram-se ainda mais acirrados no contexto da crise pandêmica e do desafio da transformação digital. A educação jesuíta não será cega e nem surda a este clamor!
Foto: Rodrigo W. Blum/Unisinos