A fraternidade é um olhar de reconhecimento destinado a outrem. Aquele que detém um coração fraterno, antes de constatar qualquer diferença, reconhece no outro uma parte de si – isto porque primeiramente enxerga a humanidade que cerca a todos.
Face à esta realidade, vislumbro a família como o primeiro ambiente a ser cuidado para que se concretizem a fraternidade e a amizade social propostas pelo Papa Francisco, em sua Carta Encíclica Fratelli Tutti. As famílias são a base da educação e da formação humana; é no seio familiar que se aprende – ou não – valores importantes como a justiça, a unidade, a paz e a liberdade. Apesar disso, atualmente temos nos deparados com duas questões inquietantes: a não constituição de famílias e, quando elas existem, a não promoção destes valores no ambiente familiar. Diante de uma sociedade que tenta se apoiar na frágil liquidez das relações, precisamos de homens e mulheres que testemunhem a beleza e a grandeza da vida em família, casais que ainda exaltem a beleza da permanência, da fidelidade e do cuidado, necessitamos de pessoas comprometidas com as fases das vidas dos seus filhos e dos seus pais.
O tema da família é primordial e crucial porque perpassa o âmbito pessoal. Um lar onde valores essenciais são preservados constrói pessoas que possuem grande potencial de influenciar nas esferas sociais, uma vez que os seus componentes estão predispostos a encarar o mundo como uma Casa Comum e a enxergar os outros como seus irmãos, concretizando a amizade social. Um amigo é, sobretudo, alguém que conhece a nossa inteireza e compartilha das nossas dores e alegrias. Para alcançar a desejada amizade social necessitamos primeiramente debruçar os nossos olhares uns sob os outros; a sociedade carece de pessoas que não fiquem indiferentes, pessoas que com seus olhos atentos encarem aquelas que são invisíveis para muitos. A América Latina precisa de uma transformação que se inicia através do olhar.
Por isso, sem negar nenhuma dor, é imprescindível que nos perguntemos: Quais são as pessoas que preciso olhar de forma mais amorosa? Quais são as pessoas que eu não tenho enxergado? Quais são aquelas que, direta ou indiretamente, excluo? Além disso, quais são as mais excluídas pela sociedade? E as que mais sofrem? Quando encontramos essa resposta, encontramos também a estrada pela qual devemos caminhar para alcançarmos a fraternidade e a amizade social. Se desejamos a unidade, precisamos romper com as barreiras do egoísmo e ir ao encontro. Precisamos sair da vida de comodismo que nos faz ficar inertes aos outros.
Enquanto me fazia as perguntas mencionadas encontrei, dentre tantas, duas possíveis respostas que – acredito – sejam semelhantes apesar das diferentes realidades que nos circundam, dizem respeito às pessoas em situação de rua e as pessoas presas. Em meio à pandemia, muito se falava sobre “ficar em casa” e “manter o distanciamento”. Que casa essas pessoas têm? Como distanciar em um presídio superlotado? Rechaçadas e ignoradas pela maioria da população, estas pessoas anseiam pela implementação de políticas públicas lastreadas na fraternidade e na amizade; políticas econômicas que garantam à todos recursos necessários para uma vida minimamente digna e saudável; estas pessoas desejam a criação de políticas e o surgimento de políticos que as vejam como pautas de suas discussões. Essas pessoas desejam. Quem vai escutar os seus anseios?
É chegada a hora de, assim como Isaias, responder “eis-me aqui, envia-me a mim”. Somente quando verdadeiramente nos dispusermos a ir ao encontro do outro, olhá-lo com fraternidade e abraça-lo independente das divergências, conseguiremos viver como irmãos. Não podemos mais deixar que o nosso individualismo e egoísmo nos guiem, porque eles nos levarão a um caminho de anunciada solidão.
Autora: Thamires Conceição dos Santos
Antiga aluna do Colégio Antônio Vieira (Salvador, Bahia)