A festa em comemoração à vida e obra de Santo Inácio de Loyola nos conduz à memória de quem foi este homem, considerado nobre de nascimento, soldado por profissão, fundador de uma Ordem Religiosa e, há exatos 400 anos, Santo da Igreja, por reconhecimento à sua vida, testemunho e missão. Nesta data, não queremos comemorar ou rememorar mais do mesmo, mas mergulharmos em alguns dos ensinamentos deste homem e, persuadidos de que estamos no caminho certo, darmos continuidade à significação local da grande mensagem espiritual-educativo-pedagógica por ele deixada.
Nesse sentido e contexto, três ideias me vêm à mente, como possíveis referenciais de análise acerca do momento celebrado. Se nosso foco celebrativo for o passado, ficaremos presos e nos ateremos a um Inácio nobre, cavaleiro, situado em um determinado tempo histórico, com convicções de conquistas pessoais e de vanglória. É característico deste Inácio a determinação em vista do reconhecimento, dos altos postos, da visibilidade pessoal. Ao mesmo tempo, é visível o dinamismo, a mobilidade, a coragem. Por sua vez, se o foco for o presente, veremos um Inácio comprometido não mais somente consigo, mas também com a causa de Cristo, estudando e aprendendo, conquistando novos amigos, lendo o momento em que se situa e se perguntando: de que adianta ganhar o mundo inteiro se viesse a perder a própria alma? Por fim, se o foco for o futuro, veremos um Inácio com visão ampla de horizontes, versado em ciências e letras, inovador, reflexivo e sistematizador, aberto ao entrono e comprometido com os demais, um líder capaz de expressar seu amor mais em obras do que em palavras, em vista do magis.
Destas três ideias, qual é a que mais identifica Inácio: passado, presente ou futuro?
Se desde meados do século XX os conceitos de tempo e espaço são relativos, por que não compreender Inácio como um todo, de forma integral? Desse todo, podem emergir momentos e sentidos. Desse todo, emergem ideias, conceitos e práticas. Desse todo, nos são legadas uma determinada cosmovisão, uma teologia, uma teleologia, uma filosofia, epistemologia, pedagogia. Desse todo de Inácio, emerge a pessoa de Cristo que, desde o princípio e fundamento, auxilia-nos a compreender o porquê do “tanto quanto”. Já na contemplação para alcançar o amor, a entrega de tudo o que temos e possuímos, a Deus restituindo.
De Inácio, somos peritos sobre o magis, o discernimento, a contemplação. Somos versados acerca da liderança, do “modo inaciano de proceder”. Somos expertos em educação, temos tradição e passado pedagógicos que nos asseguram e identificam. No entanto, por vezes, estes mesmos mapas do passado nos ditam caminhos, e os painéis da existência não nos deixam avançar para além do presente, comprometendo o futuro. Se o mau espírito por vezes entra sorrateiramente, devemos cuidar, e cuidar uns dos outros.
Nesse sentido, a Pedagogia Inaciana compreendida como Tradição Viva, impulsiona-nos ao formar e aprender integral nas dimensões cognitivas, socioemocional e espiritual-religiosa. Nosso currículo é permeado pelo Magis, e somos rede. Nossa missão é promover uma educação de excelência, inspirada em valores cristãos e inacianos, formando cidadãos conscientes, competentes, compassivos, criativos e comprometidos. Essa excelência humana e acadêmica nos provoca ao serviço, à novidade, à abertura, ao necessário equilíbrio entre fé e obras. Somos motivados a constantemente trilhar caminhos de transformação, a centralizar a nossa ação pedagógica no aprender do estudante, a sermos lideranças inquietas e comprometidas com o Reino, em uma perspectiva de reconciliação e justiça socioambiental.
Celebrar Inácio é analisar pedagogicamente esse todo, deixando-nos conduzir por Deus como uma criança se deixa conduzir pelo professor ao aprender a leitura e a escrita. Quando em Manresa Inácio se faz a pergunta: que vida nova é essa que agora começamos, é certo que estava determinado à mudança de vida pela singularidade do passo dado, mesmo que à incerteza do novo. No entanto, a vida nova que o movia, plenificava-o de sentido e o impulsionava ao desconhecido, fundamentava-se sobre uma certeza inicial: um amor que deveria ser expresso mais em obras do que em palavras. É deste legado pedagógico que ainda somos herdeiros.
Somos gratos pelo exemplo de Inácio. Aprendemos com ele. Sua vida, trabalho e missão nos impulsionam há exatos 500 anos. Foi uma bala de canhão que o transformou, alterando a sua essência-existência. E hoje, qual é a nossa bala de canhão? O que temos feito com ela? Quais mudanças temos gerado? Que projetos temos construído?
Que os ventos tão próprios do dia a dia nos impulsionem a construir moinhos de vento, e não barricadas; que a exemplo de Inácio, acidente algum nos desmotive, mas que seja sinal de Deus para que possamos ver além dos fatos, sendo contemplativos na ação.
É fruto do bom espírito a paz e a consolação. Esta foi a grande mensagem também expressa por Cristo nos Atos dos Apóstolos. Que este Ano Inaciano seja um momento de acolhida, paz, alegria e consolação, momento que continuará sendo pedagógico, também para a maior glória de Deus, vendo novas todas as coisas em Cristo.
Prof. Fernando Guidini
Diretor da Rede Jesuíta de Educação Básica
31 de julho de 2022