Não formamos os melhores do mundo, mas as melhores pessoas para o mundo. Esta máxima que resume a reflexão do padre Adolfo Nicolás, SJ, antigo Geral da Companhia de Jesus, sobre a formação dos estudantes em nossos colégios, nos convida à humildade e ao magis, ou seja, ao exercício de procura daquilo que é essencial e mais valoroso das pessoas, a experiência de ser humano, filhos e filhas de Deus, comprometidos com a transformação da realidade. Em um mundo cada vez mais escasso de solidariedade e empatia, ajudar a formar boas pessoas para o mundo é o nosso grande desafio, particularmente porque vivemos em um mundo ferido, dividido, egoísta e desigual. Em toda a sua história, o Brasil tem sido um retrato dessa realidade.
No último dia 20 de novembro, celebramos o Dia da Consciência Negra, uma data comemorada no dia da morte de Zumbi dos Palmares, líder quilombola que lutou pela libertação dos escravizados e viveu o sonho de uma comunidade resistente e fraterna. Celebrar a consciência negra no Brasil faz todo sentido, somos mais de 50% de brasileiros que se declaram negros, portanto, o rosto brasileiro é também preto. Paralelo a essa crescente tomada de consciência étnica, somos surpreendidos diariamente por notícias de mortes de jovens negros nas periferias de nossas cidades, denúncias de trabalho forçado doméstico e no campo, quase sempre de pessoas pretas, violadas em seus direitos, assim como, casos de racismo nas mais variadas instâncias da sociedade etc.
A população negra, mesmo depois da declaração da abolição em 1888, foi relegada à subalternidade, marginalidade, subemprego e a toda sorte de violência e exclusão. População que não está representada nos espaços de decisão e poder na sociedade, o recorte econômico social do Brasil traz em si uma cor, ele é ‘racializado’, os pobres no Brasil são negros. Nos dedicamos, todos os anos, no mês de novembro, à reflexão sobre o negro no Brasil, somos chamados a fazer um exame de consciência enquanto nação, e nos olhar a partir do que somos, daquilo que nos constrói e reparar o que ainda nos fere e escraviza: o racismo institucional e estrutural, que molda nossas relações em todos os lugares.
A partir das Preferências Apostólicas Universais, especialmente a segunda, que diz: Caminhar com os pobres, os descartados pelo mundo, os vulnerados em sua dignidade, numa missão de reconciliação e justiça, precisamos estar atentos aos passos que ainda não foram dados na superação do racismo em nossas unidades. Primeiramente reconhecer que fazemos parte de uma estrutura racista e, paralelo a isso, promover ações concretas que mobilizem nossas comunidades educativas para uma agenda antirracista, com projetos contínuos e eficientes1 . Todos os colégios jesuítas devem ser excelentes em humanizar suas comunidades. (TV, n. 258). Os colégios devem combater ativamente o racismo em todas as suas formas (TV, n. 260). Temos em nossas mãos uma oportunidade única na formação de pessoas mais conscientes e comprometidas com a construção de uma nova civilização pautada pela justiça e reconciliação.
Quais são as ações para superação do racismo previstas nos processos educativos de nossas unidades? Como esse aspecto tão estrutural de nossa sociedade está presente na implementação das quatro dimensões do nosso Projeto Educativo Comum: curricular, organização, clima institucional, familiar e comunidade local?
Para além da celebração, comemorar o Dia da Consciência Negra, reconhecendo nossa diversidade cultural e racial e a forte marca africana em nossa identidade brasileira, requer de nós um exercício político e por isso pedagógico, na formação de cidadãos mais conscientes, compassivos e comprometidos.
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem, ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”. (Nelson Mandela)
Pe. Isaías Gomes da Silva, SJ
20.11.2022