Por Cláudia Zimmer, professora, graduada em História e pós-graduada em Projetos Educacionais e Informática, com mais de 25 anos de atuação na área. É atualmente gestora do Setor de Mídia Educacional e Tecnologia do Colégio Antônio Vieira, de Salvador (BA).
Não resta dúvidas de que o advento da internet, criada em 1969 nos Estados Unidos e liberada para uso comercial na década de 80, trouxe para a humanidade muitos benefícios, não só possibilitando o acesso à informação diversificada e de toda parte do mundo de forma rápida, como facilitou a nossa vida. Por exemplo: não precisamos ir ao banco para pagar nossas contas; deixamos de perder tempo em filas para comprar ingressos para os mais variados tipos de entretenimento; visitamos museus de forma virtual; acessamos bibliotecas virtualmente; podemos resolver problemas de trabalho numa simples reunião on-line; realizamos consultas médicas; fazemos compras on-line e recebemos as mercadorias em casa; conhecemos novas pessoas; aprendemos línguas com nativos, e até estudamos de forma assíncrona ou síncrona, como testemunhamos, mais intensivamente, no período mais acirrado da pandemia de Covid-19, quando as escolas tiveram que funcionar remotamente.
Por outro lado, assim como vivenciamos tantas ações positivas, estamos expostos a situações negativas diariamente. A lista de exemplos, infelizmente, também é extensa: vício de tela, ansiedade social, acesso a informações incorretas (fake news), dependência em uso de jogos, assédio, violência psicológica, roubo de dados, fraudes financeiras, envio de vírus, roubo de senhas, crimes contra a honra, calúnia, injúria, difamação, cyberbullying, entre outras. É o que alerta o manual de recomendações e boas práticas para o “Uso Seguro da Internet para Toda a Família”, cuja primeira edição foi publicada em 2010.
Por mais que saibamos que, para usar a maioria das redes sociais, é preciso ter idade mínima de 13 anos (cadastro, criação de conta e acesso), o que temos visto é que muitas crianças até driblam o termo de uso, privacidade e segurança para criar conta em qualquer rede social, possuindo contas em várias delas, fazendo uso de dados ou conta de um adulto próximo a ela (contas dos pais, parentes ou conhecidos). Para se ter uma ideia, de acordo com uma pesquisa publicada em maio pelo jornal Correio Braziliense, 86% dos usuários de internet de 9 a 17 anos no Brasil possuem perfil em rede social, e os aplicativos mais usados por esses jovens são Instagram e TikTok.
Assim, mesmo não tendo idade para utilizar a internet de forma responsável e segura, cada vez mais, temos crianças equipadas com dispositivos móveis potentes e com acesso irrestrito a internet e redes sociais. Essas crianças acabam ficando expostas a todas as situações que um adulto vive no ambiente virtual, como vimos acima, dentre elas, o cyberbullying. Infelizmente, muitas vezes, por desconhecer as normas de convivência, as regras de uso da internet e acharem que na internet podem fazer tudo, as crianças e adolescentes acabam praticando ou vivenciando o problema.
Atenção às normas
O fato é que nem sempre essas crianças são monitoradas ou orientadas sobre como devem se comportar nos ambientes virtuais. Chegam a questionar, por exemplo, se, de fato, existe punição para quem pratica o cyberbullying. É importante ressaltar que o termo cyberbullying provém do termo bullying e constitui o ato de depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial, conforme descrito na Lei nº 13.185, de 6 de novembro de 2015, parágrafo único. Basta, portanto, apenas uma única publicação para o crime ser caracterizado.
O cyberbullying é, portanto, um crime passível de punição e suas ações podem acarretar processo judicial. Como previsto na Lei nº 13.185/2015, no caso de a infração ter por autor um menor de 18 anos, este poderá ser encaminhado para a Vara da Infância e da Juventude, podendo sofrer medida socioeducativa enquanto seus pais ou responsáveis legais poderão responder a processo civil que normalmente remete à indenização.
Danos para quem sofre
Menores que enfrentam o cyberbullying têm dificuldade de falar sobre o assunto, de pedir ajuda e, muitas vezes, acabam sofrendo sozinhos. O nosso papel enquanto famílias e educadores conscientes de todo esse perigo, é ficar sempre atentos aos sinais para reconhecer e ajudar quem está passando pela situação, esclarecendo sobre o tema, orientando como se proteger, fazendo uso adequado da internet.
O caso exige atenção especial de todos, inclusive quanto à necessidade de acompanhamento psicológico adequado. Isto porque crianças e adolescentes vítimas do cyberbullying passam a desenvolver dificuldade de concentração; baixa autoestima; transtornos emocionais graves como bulimia, anorexia, depressão, fobia social e ansiedade generalizada; sensação de impotência; medo e tristeza constante e dificuldade nas relações socioafetivas. Passam também, em muitos casos, a banalizar toda e qualquer violência que venham sofrer ou presenciar, gerando apatia diante de outros tipos de agressão, além da diminuição na motivação para os estudos, com queda no rendimento escolar e casos até de abandono da escola.
Como combater
Para tentar evitar todos esses males, o ideal é começar cumprindo as leis e regras gerais de uso da internet. Ambientes virtuais proibidos por faixa etária não são apropriados para crianças e, em certos casos, para adolescentes também (a exemplo das redes sociais proibidas para menores de 18 anos). Portanto, crianças menores de 13 anos não devem possuir contas em redes sociais e suas ações na internet devem ser monitoradas, orientadas, diariamente pelos seus responsáveis. A partir de 13 anos, cabem aos pais e outros responsáveis legais ficarem atentos aos atos dos filhos e filhas na internet. Devem monitorar o que os mesmos acessam e compartilham na internet; devem controlar o tempo de uso para evitar o vício em tela, a ansiedade social e tantas outras doenças socioemocionais geradas pelos conflitos vividos nos ambientes virtuais.
As crianças e os adolescentes, por sua vez, devem receber as devidas orientações para aprender a se protegerem e evitarem divulgar informações e dados pessoais, além de terem cuidado com as fotos que compartilham, em atenção também à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), Lei n° 13.709/2018, que foi promulgada para proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e a livre formação da personalidade de cada indivíduo. É importante ainda ser seletivo com os novos contatos, evitar deixar os perfis abertos, criar senhas fortes e ativar a verificação em duas etapas nas suas contas. Mais: utilizar nos seus dispositivos antivírus e atualizá-los constantemente; não repassar arquivos duvidosos, pois a grande maioria é porta de entrada para vírus ou malwares (programas projetados para causar danos geralmente com roubo de dados); não compartilhar informações recebidas de terceiros, incluindo publicações que caracterizam o cyberbullying, pois o simples ato de encaminhar uma postagem maldosa pode caracterizar coautoria.
Dever de todos
Segundo o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Portanto, faz-se necessário e urgente orientar as crianças e adolescentes a utilizarem adequadamente a internet, ensinando-os como se protegerem de eventuais ataques criminosos nas redes sociais. É imprescindível ainda voltar a atenção aos sinais que os menores que sofrem o cyberbullying emitem, buscando ajuda profissional, seja ela médica ou jurídica.
Os pais podem e devem fazer mão do diálogo, ter discussões livres e francas sobre o uso da internet; fazer acordos e estabelecer limites de tempo de uso da internet e redes sociais; gerenciar os dispositivos, fiscalizando por meio de programas específicos, ativando o controle parental na banda larga nos dispositivos, nas contas, bloqueando o acesso a perfis impróprios. E, voltando ao caso específico do cyberbullying, ter em mente que tão importante quanto proteger a criança ou o adolescente que sofre com a questão é, também, cuidar do menor que o pratica. Ambos precisam de atenção e cuidado.
Fonte: Colégio Antônio Vieira