Aprender por refração: uma experiência de aprendizagem profunda

Após 30 anos da publicação do livro “Pedagogia Inaciana: uma proposta prática”, para auxiliar os professores a empregarem os princípios dos Exercícios Espirituais ao contexto educativo, um novo conceito surge para tornar o processo de ensino e aprendizagem mais significativo para os estudantes e, consequentemente, para os educadores. O livro “Aprender por refração”, de autoria do jesuíta filipino, Pe. Johnny Go, e de Rita J. Atienza, coordenadora da Formação de Professores e Desenvolvimento Profissional do Salt Institute no Ateneo de Manila, apresenta o desenvolvimento e uma aplicação do Paradigma Pedagógico Inaciano (PPI), a partir de experiências e reflexões de professores que o utilizam em suas aulas.

O livro também oferece um roteiro para que qualquer educador – não só aquele de colégios jesuítas – provoque em seus estudantes uma experiência de aprendizagem profunda. “A obra se propõe a ser um guia docente para o trabalho com a Pedagogia Inaciana no século XXI, e cumpre a sua função a partir do momento em que tematiza elementos fundantes da educação e da pedagogia inaciana, articulando-os à constância de exercícios, paradas e momentos de reflexão, os quais ajudam a responder pelo sentido e caminhos possíveis para o educar atual”, escreveu o diretor da Rede Jesuíta de Educação (RJE), professor Fernando Guidini, na apresentação da publicação.

Mas, afinal, por que aprender por refração? No livro, os autores propõem que a refração é o que os alunos fazem para aprender. Como na física, quando a água refrata um raio de luz, os estudantes fazem o mesmo com a matéria: eles não podem simplesmente deixar que os conteúdos “passem”. Uma aprendizagem autêntica precisa que o aluno “dê uma volta ao conteúdo, o transforme e o faça seu. Ao aprender, os alunos adequam os conteúdos aos seus contextos pessoais”. Outra analogia feita para exemplificar o conceito é quando os oftalmologistas usam o método “tentativa e erro” para determinar o grau correto dos pacientes. “Os alunos devem envolver-se neste experimentar, explorar modos diferentes de entender uma ideia, e corrigir-se a si mesmos com base no feedback que recebem para poderem compreender mais profundamente um conceito ou tornarem-se proficientes em certas habilidades. Refração sugere um processo semelhante de ‘tentativa e erro’ e implica autocorreções pessoais com base nas sugestões do professor, que são essenciais para a aprendizagem”. A palavra refração também significa a combinação de dois elementos da Pedagogia Inaciana: reflexão e ação. Os estudantes devem pensar sobre o conteúdo aprendido, analisá-lo e colocá-lo em prática com base nas suas experiências de vida. 

Ana Maria Loureiro, assessora pedagógica da RJE, explica que o livro “Aprender por refração” une as relações “professor e aluno” e “experiência, reflexão e ação” com uma série de propostas, exercícios e aplicabilidade. Os autores ainda lembram que há um terceiro elemento envolvido nas relações de aprendizagem: o mundo, ou seja, o “fenômeno – natural ou social – a ser investigado, especialmente as ideias e conceitos relacionados a ele”. “O estudante vai aprender quando ele age sobre o conhecimento, quando ele experiencia. E isso é realmente a Pedagogia Inaciana. O objetivo é potencializar a aprendizagem dos estudantes através desse ciclo – experiência, reflexão e ação. Ou seja, se reflete sobre a experiência vivida para agir sobre aquilo que se aprendeu. E depois se avalia todo o processo, levando em conta o contexto da aprendizagem, do aluno, da sociedade e da instituição”, afirma Ana.

A publicação mostra, ainda, uma maneira prática de fortalecer essas relações, intitulada “Os 6 Es da Aprendizagem Refrativa”: envolvimento, excelência, expertise, entusiasmo, empatia e empoderamento. “Para os alunos aprenderem eles precisam fazer refração do que aprendem. O que aprendem precisa ser adequado aos seus contextos pessoais, e o conteúdo precisa ser modificado internamente de forma personalizada. O professor, ao se debruçar sobre sua prática e ter consciência da presença dos seis Es (referentes às relações dele com o aluno, que são a empatia e o empoderamento, dele com o mundo, que são expertise e entusiasmo, e do aluno com o mundo, que são envolvimento e excelência) no seu trabalho pedagógico, tem a oportunidade de incentivar e desenvolver a aprendizagem pela excelência, promovendo o Magis da Pedagogia Inaciana. Além disso, o estudante passa a ser o centro e o protagonista do processo de aprendizagem”, explica a diretora acadêmica do Sanfra, Denise Michels Ortiz Krein. 

Em Salvador (BA), as coordenadoras e os docentes do Colégio Antônio Vieira exploraram três capítulos do livro. “O capítulo 3 foi discutido como sensibilização para o módulo formativo sobre ‘Boas Práticas no uso cotidiano do Mapa de Aprendizagens para Formação Integral’, que aconteceu no dia 23 de setembro. No caso do oitavo capítulo, em razão da inquietação dos professores do Ensino Médio sobre avaliação, em interface com as mudanças geradas pelo Novo Ensino Médio, eles foram convidados a pensar sobre a avaliação, a partir de grupos por área do conhecimento, discutindo, através da leitura participada e reflexiva, o texto ‘Como as pessoas aprendem: cérebro, mente, experiência e escola​’ (National Research Council, 2000)​, citado pelo próprio livro. Os professores fizeram uma discussão analítica sobre o que significa cada um dos quatro primeiros elementos de aprendizagem refrativa: contexto, experiência, reflexão e ação. ​E a pergunta que motivou a escrita estava numa atividade do capítulo: Se avaliar a sua prática de ensino no geral, qual dos quatro elementos você considera uma área a melhorar e à qual deve dar prioridade?”, pontuou a diretora acadêmica Ana Paula Marques.

Para ela, o conceito “Aprender por refração” reforça que a inovação precisa estar comprometida com processos educacionais democráticos, que valorizem o protagonismo estudantil, numa perspectiva de formação integral. “Esse paradigma pedagógico oportuniza a experiência de uma aprendizagem profunda, significativa e transformadora para o estudante, de forma que o conhecimento seja contextualizado e articulado aos saberes experienciados, que serão utilizados no cotidiano, conforme as diversas situações-problemas concretas da vida real, dentro e fora do espaço escolar. Entendo que o professor, inspirado por esse guia, potencializa, qualifica e torna cada vez mais concreta e assertiva a própria Pedagogia Inaciana. Além disso, esse processo de desenvolvimento da aprendizagem pode ser explorado em todas as dimensões da nossa formação integral”, complementa.

A Escola Padre Arrupe, em Teresina (PI), apresentou o livro aos professores durante a Jornada Pedagógica, realizada na primeira semana de agosto. O passo inicial para compreensão do material partiu da reflexão da epígrafe do livro “Ensaio Sobre a Cegueira”, de José Saramago, que diz: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara!”, possibilitando inúmeros entendimentos de cunho pessoal, conceitual e metacognitivo, por parte dos professores, sobre o significado de aprender por refração. “A partir daí, foi iniciado o estudo do material e percebeu-se que o processo de reflexão deve levar o estudante a realizar a transposição didática dos objetos do conhecimento para a sua realidade. É essencial que isso seja feito de acordo com o contexto de cada estudante, pois assim se constitui o processo de refração”, contou a coordenadora da Educação Infantil, Lara Lima. Além de planejar outros momentos ainda este ano para estudar a publicação, a instituição aprofundará as reflexões do guia em 2024.

O Colégio São Francisco Xavier, de São Paulo (SP), fez um cronograma de estudo e aplicabilidade do livro até 2024, envolvendo os professores do Ensino Fundamental dos Anos Finais ao Ensino Médio. Os professores puderam avaliar a sua concepção de aprendizagem, refletir sobre as relações no espaço escolar e as práticas de ensino. As discussões, realizadas em grupos, provocaram bastante engajamento dos docentes. “Aprender por refração leva o professor a refletir que o que ele pretende ensinar é absorvido de diferentes formas pelos diferentes alunos. A inovação está na conscientização de que o ensino precisa ser realmente personalizado. Na educação do século XXI, o foco não é o conhecimento que o professor detém e passa para o aluno, mas a aprendizagem do aluno por meio da reflexão e da ação que esse conhecimento propicia. Cada estudante aprende de um jeito único e singular e o grande diferencial é fazer com que a sua aprendizagem ocorra de maneira efetiva pela sua experiência, reflexão e ação. Pela refração a aprendizagem ocorre pela transformação interna do conhecimento. É o sentir e saborear as coisas internamente”, frisa Denise.

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