Artigo: “Estou na aula e no celular, mas não estou na aula nem no celular”: o mito da hiperconcentração

Por Filipe Queiroz de Campos, professor de História do Colégio dos Jesuítas, de Juiz de Fora (MG), doutor em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora e autor do livro “Diplomacias secretas: o Brasil na liga das nações” (Editora Appris).


A exaustão por esforço no trabalho recebeu a designação de enfermidade laboral por parte da Organização Mundial da Saúde (OMS) desde o início de 2022. Uma pesquisa conduzida pela Associação Internacional de Gerenciamento do Estresse (AIGE) demonstra que o Brasil está na segunda posição em termos de incidência de diagnósticos, sendo ultrapassado somente pelo Japão, onde 70% da população é impactada por essa condição. Isso é o que chamamos de burnout, ou seja, um esgotamento extremo das condições físicas e mentais.

Cruzo esse dado com o fato de que o Brasil é o terceiro maior usuário de redes sociais do planeta. O que um pode ter a ver com o outro? Há, atualmente, o mito do multitasking, ou seja, a crença de que somos capazes de fazer várias tarefas ao mesmo tempo, e a relação dessa suposta habilidade com o uso excessivo do smartphone.

De acordo com o filósofo Byung-Chul Han, vivemos na “sociedade do desempenho” e, nela, o mito do multitasking, de que com meu celular e minha televisão, com meu celular e meu livro, com meu smartphone e minhas tarefas diárias, sou plenamente capaz de realizar várias atividades ao mesmo tempo, passando a ser um trabalhador em tempo integral jamais pago para isso. Byung-Chul explica que multitasking é um mito porque ninguém está realmente fazendo diferentes coisas ao mesmo tempo com qualidade. Em todas elas, saímos perdendo no foco, na qualidade e no aprendizado.

Construiu-se a ideia de que, ao assistir a uma aula e ficar no celular ao mesmo tempo, estaríamos “ganhando” tempo com a hiperconcentração. Entretanto, a hiperconcentração e a “multitarefa” não existem. O resultado disso é a superficialidade, a pobreza de aprendizado e, sobretudo, um cansaço que não se sabe de onde vem. Você está cansado e improdutivo! Ver memes e vídeos engraçados e um filme ao mesmo tempo, por exemplo, não tem efeitos de descanso. Na verdade, isso confunde nosso cérebro e, principalmente, cansa-nos justamente quando deveríamos estar relaxando.

Na “sociedade do desempenho”, a concorrência, explica Chul Han, é absoluta, porque todos somos empreendedores e carregamos nosso trabalho para a cama na hora de dormir. A síndrome do cansaço absoluto também vem. Diz o autor: “Problemática não é a concorrência entre os indivíduos, mas o fato de tomarem a si mesmos como referência e de aguçar neles sua concorrência absoluta. O sujeito de desempenho concorre consigo mesmo e, sob uma coação destrutiva, vê-se forçado a superar constantemente a si próprio. Essa autocoação que se apresenta como liberdade acaba sendo fatal para ele. O burnout é o resultado da concorrência absoluta”.

O burnout, do inglês “queimar-se totalmente”, transmite a ideia de esgotamento, é filho da crença no multitasking e no mito da hiperatenção. Estamos viciados no imediatismo, nas redes sociais. Nós é quem somos o produto e quando estamos “relaxando”, na verdade, estamos produzindo, mas o que se produz é cansaço, dispersão, falta de foco. Não se relaxa de verdade nem se produz de verdade. O imediatismo da “sociedade do desempenho” gera uma “sociedade do cansaço”. É preciso rever nosso comportamento!

Fonte: Colégio dos Jesuítas

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