Por Cristiane Maria Schnack, gerente de Desenvolvimento do Ensino na Graduação e Professora da Escola de Humanidades da Unisinos; Cristina Schmitd Gibk , coordenadora pedagógica do curso de Medicina da Unisinos; Dinara dal Pai, professora da Escola da Indústria Criativa da Unisinos; Graziela Hoerbe Andrighetti, professora da Escola de Humanidades da Unisinos; Isa Mara da Rosa Alves, coordenadora de Inovação Pedagógica do Programa Unisinos Education; e Márcia Del Corona, professora da Escola de Humanidades da Unisinos.
Para início de conversa, assumimos aqui que currículos bilíngues podem ser espaço de inovação pedagógica, e não de que sempre são espaço e inovação pedagógica. Para conceber e praticar currículos bilíngues como espaço de inovação pedagógica, é importante pensarmos a partir de quais premissas assumimos essa postura. São dois os parâmetros iniciais a serem considerados: (i) o que é inovação e (ii) quais são as razões que mobilizam escolas a implementarem currículos bilíngues.
Assumimos, em nosso trabalho, o entendimento de inovação que se alicerça em três aspectos, conforme Borba (2023) que são:
- A inovação é sempre contextualizada, situada; o que representa inovar, em determinada escola, pode ser diferente de outra, mas também pode ser diferente de um município, de uma região para outra.
- A inovação sempre traz novidades, algo surpreendente, e conectando com o primeiro aspecto, pode ser algo diferente para o contexto da escola em si quanto de seu entorno.
- A inovação é alicerçada em ideias, que não são, na maior parte das vezes, geradas em processos individuais; para pensar ideias diferentes, precisamos de modelos mentais diferentes, precisamos de diversidade de olhares para a potencialidade da criação.
Desses três aspectos precisamos, ainda, permitir que se revise o conceito de valor daquilo que é empreendido como inovador e, para isso, trazemos aqui o segundo aspecto, relacionado às razões que mobilizam escolas a implementarem currículos bilíngues. Um dos motivos pode ser o crescimento de escolas com oferta de currículos bilíngues, processo que identificamos ao longo de nossa experiência com escolas e vemos frequentemente ser noticiado na mídia. Dentre outros fatores, esse aumento de oferta de escolas ou currículos bilíngues pode se dar por dois motivos que podem estar conjuntamente presentes ou não: a pressão do mercado, uma vez que, por vezes, todas ou várias das escolas da região ofertam currículo bilíngue. Nesse cenário, não ofertar pode significar uma lacuna nos diferenciais da escola; o contexto acaba por criar uma necessidade para que cada escola demonstre que não está aquém de nenhuma outra.
Na busca por poder ofertar o que as demais escolas ofertam, várias iniciam o processo de implementação de (algum) currículo bilíngue como definição da equipe gestora com foco em estratégia de mercado e de contexto de atuação; b. qualidade do ensino de língua adicional, quando se observa que aumenta o número de famílias, em determinados contextos, que se mobilizam para garantir que as crianças tenham desenvolvido, desde o período da infância, língua adicional com determinados níveis de proficiência. Ao fazê-lo, criam um efeito retroativo de garantirem esse desenvolvimento no percurso escolar das crianças. O currículo bilíngue, neste contexto, surge com uma alternativa, na medida em que ele, para além de outras questões, traz consigo a ampliação de carga horária de ensino de e em língua adicional.
A reflexão sobre conceber currículos bilíngues como espaço de inovação passa, portanto, necessariamente pela reflexão inicial sobre a razão pela qual a escola opta por ofertar este currículo e, ao fazer a escolha, passa também por verificar quais processos orientam a sua implementação. Para essa reflexão, lançamos mão de 5 perguntas, que nortearão, ou ‘sulearão’, como nos convida a pensar José Pacheco (2012) , as discussões propostas neste texto:
Por que um currículo bilíngue?
Qual é o modelo de currículo?
Quais são os componentes curriculares do bilíngue?
Quem são os professores do currículo bilíngue?
Quais são os materiais didáticos de um currículo bilíngue?
Por que um currículo bilíngue?
O crescimento de escolas bilíngues no Brasil (MARCELINO, 2009; LIBERALI; MEGALE, 2016) tem tido um significativo aumento e reflete uma demanda por educação que promova proficiência em mais de uma língua, sensibilidade e competências interculturais. Muitos fatores contribuem para impulsionar essas demandas no contexto educacional, como a preparação para um mundo globalizado e a atuação no mercado de trabalho. Mas, afinal, a serviço de que está o currículo bilíngue e que papel nossas escolas podem desempenhar para ajudar os estudantes a se tornarem pessoas mais realizadas e ‘humanas’? Para iniciar um caminho de respostas, convidamos a uma pequena reflexão a partir da mandala representada na imagem a seguir:
Vamos refletir, então, sobre cada um dos elementos constituintes dessa mandala.
Enquanto educadores, um de nossos papéis é o de sensibilizar nossos estudantes a se assumirem seres responsáveis e cientes de que suas atitudes impactam na construção de uma sociedade justa e igualitária. Isso envolve vivenciar e reconhecer conflitos, identificando formas de lidar com eles, de desenvolver escuta atenta e empatia. Educamos, portanto, na e para a paz. E isso não se dá dissociado das dimensões relacionadas à cidadania global.
A cidadania global fomenta o respeito por todos, o sentimento de pertencer a um mundo comum, a casa comum, e para que isso aconteça, terão que assumir seus papéis de forma ativa, sendo questionadores e resolutivos para inovar em desafios globais. Educamos na e para a cidadania global.
Ao convidarmos nossos estudantes a deslocarem-se e a deslocarem o olhar para o local e o global, teremos sempre fazeres permeados por interculturalidade. A interculturalidade envolve perceber o outro e se perceber culturalmente enquanto sujeito, identidade, para também inovar a partir de espaços, experiências, cooperação, respeito e aceitação. Interculturalidade é, portanto, um conceito dinâmico que implica não apenas reconhecer a diversidade, mas oportunizar o intercâmbio de conhecimentos e de práticas culturais em suas mais diversas dimensões (UNESCO, 2006 p.17). Não podemos pensar interculturalidade sem revisitar entendimentos sobre culturas (visíveis e invisíveis):
Educamos na e para a interculturalidade, entendendo que ensino/aprendizagem de línguas e culturas são indissociáveis. É preciso considerar que as ações que desempenhamos “não estão relacionadas apenas ao plano de escolhas lexicais e de estruturas linguísticas, mas também a padrões culturais que organizam os discursos compartilhados em uma determinada comunidade de fala.” (ANDRIGHETTI; SCHOFFEN, 2012 p. 18). Todos os nossos fazeres pedagógicos estão permeados por múltiplas linguagens que nos possibilitam ser e agir criticamente no mundo.
A linguagem é social. Prevê diálogos entre pessoas que agem no mundo sempre de forma situada. Assim, o olhar para o uso da linguagem como prática social também precisa se dar a partir de recursos linguísticos e não linguísticos mobilizados em nossas comunicações. Educamos com vistas a ampliar a participação de nossos estudantes nas mais variadas situações da vida, para que possam dizer de seus propósitos comunicativos, na e para a interculturalidade, na e para a cidadania global e na e para a paz.
E o que essa mandala (fig.1) tem a ver com modelos de currículo pensados para contextos de educação bi/multilíngue, no contexto da inovação?
A afirmação acima, dos autores Dennis Shirley e Andy Hargraeves (2022), nos convida a uma possível resposta: para que possamos propiciar aproximações. Um caminho talvez seja o de pensar que as coisas que fazemos na escola também mantem relações com/são as coisas da vida. Os nossos fazeres na escola impactam (e aproximam) as pessoas da escola e também as pessoas da vida, da nossa comunidade próxima e distante. Os fazeres em duas (ou mais) línguas devem também aproximar, conectar, e não criar mundos separados, desconectados, que ocorram paralelos nessas línguas.
As intencionalidades pedagógicas de nosso currículo estão diretamente relacionadas a uma maior ou menor aproximação oportunizada aos estudantes para sensibilidade cultural; escuta atenta e comprometimento com o diálogo respeitoso; colaboração; pensamento sistêmico; conhecimentos aplicados a demandas sociais locais/regionais/globais; fortalecimento dos vínculos sociais, oportunidades de desenvolvimento colaborativo de solução e projetos, inovação e transformação social.
Pensar o currículo bilíngue a partir do olhar da inovação é mobilizar o contexto escolar para compreender por que faz sentido esse currículo em cada escola. A partir dessa resposta, construída de modo coletivo entre aqueles que vivem a escola, busca-se responder à próxima pergunta, que é: qual o modelo de currículo?
Qual o modelo de currículo?
Segundo MEGALE (2019), quando pensamos em currículos bilíngues destacam-se os seguintes tipos: a) escolas bilíngues em que português e inglês (e outras línguas adicionais) estão integrados, que possuem um único currículo a partir do qual são feitas escolhas de o que será em inglês (ou outra língua adicional) e o que será em português; b) escolas bilíngues com currículo adicional, no qual há a incorporação de um currículo, fornecido por um sistema de ensino/instituição que visa à implementação de currículos bilíngues em escolas regulares. Baseia-se na abordagem Content and Language Integrated Learning (CLIL), integrando língua e conteúdo; c) escolas bilíngues com currículo optativo, em que há um período extra no qual os estudantes têm complementação do estudo de inglês (ou outras línguas adicionais), seja por projetos, seja por CLIL. Podem ser elaboradas pela escola ou por terceirizadas.
Para expandirmos em exemplos práticos, trouxemos a imagem a seguir que apresenta um continuum de possibilidades de configuração desses currículos.
Cada modelo, no continuum, trará possibilidades de integração e fluidez diferentes ao trabalho de educar da escola. Criará espaços de integração ou separação, fomentará possibilidade de ressignificar a docência ou reforçará crenças ultrapassadas sobre o que significa ser bilíngue. Reforçará, ou não, por exemplo, que a educação bilíngue está a serviço unicamente do desenvolvimento linguístico em duas línguas, desenvolvimento este também contemplado, em maior ou menor intensidade, em separação nas duas línguas.
Aqui, ao pensar o modelo de currículo bilíngue, pode-se fomentar (ou não) possibilidades de revisar práticas pedagógicas como um todo na escola, criando espaço para unir não apenas as crianças/estudantes mas também professores de diferentes componentes e gestores, possibilitando, revisar o valor da educação.
Assim como menciona Aranda (2020), também não pretendemos aqui, de maneira alguma, trazer respostas definitivas, pois sabemos que as decisões acerca de qual currículo construir abarca muitos fatores. Nossa intenção é a de trazer à tona o papel que experiências como as mencionadas no continuum permitem aos estudantes, no sentido de possibilitar uma compreensão mais sistêmica sobre a realidade, sobre papéis sociais, compromissos éticos e humanitário e de apontar princípios norteadores da instituição de ensino, guiando desenhos pedagógicos e de gestão para ações pedagógicas que promovam o diálogo intercultural .
Ao definirmos o modelo de currículo bilíngue, também nos debruçamos sobre a pergunta: quais componentes curriculares do currículo bilíngue?
Quais componentes curriculares do currículo bilíngue?
A experiência nos mostra que, em geral, as escolas dedicam espaços bem delimitados para aquilo que definirá como currículo bilíngue. Esses espaços também vêm marcados pela língua adicional, e muitas vezes chamam-se de Music, Science, Computer Lab, entre outras possibilidades.
Entendendo que educação bilíngue é “qualquer sistema escolar no qual, em dado momento e período, simultânea ou consecutivamente, a instrução é planejada e ministrada em pelo menos duas línguas” (HAMERS E BLANC, 2000, p. 189) é certo pensar nessa forma de conceber os componentes curriculares. Quando assumimos uma postura orientada pela inovação, nos perguntamos se precisa ser assim, se há outros modos de configurar os componentes curriculares como sendo do currículo bilíngue ou, de forma mais específica, da língua adicional escolhida pela escola.
Se entendemos que a escola deve criar oportunidades para revisar o valor de currículo bilíngue, unindo as crianças/os estudantes, também podemos nos orientar por pensar que o ensino em duas (ou mais) línguas pode estar mais aproximado e interconectado, fomentando o trabalho colaborativo em línguas em componentes distintos. Ou seja, a resposta será construída a partir da reflexão sobre o que assumimos como ensino em e de duas línguas e sobre o que é bilinguismo, ao fim e ao cabo.
Para definir quais são os componentes curriculares, precisaremos retornar ao nosso continuum de modelos de currículos bilíngues (Fig.4) e identificar se há a possibilidade de, por exemplo, concebermos a ideia de termos tantos componentes mais especificamente dedicados à aprendizagem em e de língua adicional quanto espaços na rotina escolar para aprendizagens em língua sempre que relevante. Ou seja, espaços em que a definição de qual a língua de instrução e/ou de interação será feita a partir da intencionalidade pedagógica.
Dessa forma, são possibilidades componentes curriculares específicos para o ensino de língua e o ensino em língua adicional; componentes curriculares em que materiais de insumo para discussões são fornecidos em diferentes línguas e, em especial, nas línguas do currículo, independente do componente curricular em questão; componentes curriculares em que a língua de instrução e/ou de interação é definida a partir da atividade na qual todos se engajam, sem fronteiras pré-estabelecidas para a língua em uso.
Assim, nos perguntamos se não devemos assumir, então, que são TODOS os componentes parte de um currículo bilíngue que se dá na articulação entre (duas) línguas.
Para que o espaço cativo da inovação se instaure, é preciso sair da superficialidade da definição de quais componentes curriculares são responsáveis pelo ensino da língua adicional para a construção de um continuum que engloba ao menos os três momentos curriculares apresentados acima. A partir desta concepção, novos espaços de inovação surgem, uma vez que, invariavelmente, essa concepção aproximará professores de áreas distintas e gestores pedagógicos para dialogar sobre o aprendizado das crianças/dos estudantes a partir de aspectos como: o que há para ser ensinado em cada etapa e em cada momento, como deve ser ensinado, em qual língua de instrução, entre outras.
Essa aproximação entre professores de áreas distintas nos leva à próxima pergunta, que é: quem são os professores do currículo bilíngue?
Quem são os professores do currículo bilíngue?
Para nos ajudar a compreender essa pergunta no âmbito dos processos de inovação pedagógica, é importante olharmos para o contexto de sala de aula apresentado na pesquisa de Wissmann (2023).
Nesse excerto, de uma turma de primeiro ano do ensino fundamental, séries iniciais, observa-se o período de transição entre componentes curriculares:
A marcação discursiva, na linha 3, demonstra que existe uma professora do currículo, que é a professora que está interagindo com as crianças, e um professor específico identificado com o currículo bilíngue. Aqui, a concepção de currículo bilíngue responde à premissa de que é um espaço de ensino de língua adicional, neste caso de língua inglesa, e de que há um responsável para isso: o professor “do bilíngue”. A implementação do currículo bilíngue não criou espaço para revisar o valor da educação ofertada, uma vez que manteve a todos em seus papéis e manteve a organização pedagógica que já existia, apenas com o acréscimo de períodos em língua adicional.
A lógica, também, não é a de aproximar os jovens no sentido das suas próprias aprendizagens: as aprendizagens se dão em duas línguas, cada uma em seu processo, de forma independente. A educação bilíngue cria, nesse cenário, a segmentação entre quem pertence e quem não pertence ao currículo bilíngue, que vira sinônimo de currículo a parte da língua adicional. O processo de educação é também compreendido como dois, como se fosse possível um processo de desenvolvimento independente para cada língua.
Para criar espaço de inovação, na situação escolar apresentada acima, é importante partir da lógica de que são dois professores ou duas professoras responsáveis pela educação, que é única, refere-se a um só processo, que se dá em duas línguas, e que, para isso, precisarão, ambos, serem corresponsáveis por essa educação, dialogando e construindo conjuntamente a aprendizagem em/nas duas línguas, de modo interdependente, mas nunca independentes.
Com isso, nos perguntamos: não seriam TODOS os professores parte do currículo Bilíngue? Em nossa caminhada de assessoria a educadores que atuam em contexto de educação bi/multilíngue, percebemos que essa relação de pertencimento de professores de outras áreas que não a do inglês (ou outra língua adicional) é um caminho a ser construído. Essa relação se reflete também na forma como realizam planejamentos, por vezes ainda se afastando de um fazer permeado por várias mãos para estar em um fazer “encaixado”, que traz recortes feitos por mãos diferentes.
Se perceber como parte do currículo bilíngue, não sendo professor de inglês, passa por refletir sobre a própria prática, sobre o fato de se permitir inovar e buscar caminhos para a construção de um planejamento integrado, oportunizando vivências em português e em inglês (ou outras línguas adicionais) que se complementam, sem cair em traduções, sem em abordar o mesmo texto e fazer as mesmas perguntas nas duas línguas. Passa por iniciar um planejando sem a presença do professor de inglês, a exemplo do que aconteceu em uma de nossas aulas em que um grupo de professores começou a construção do planejamento a partir de uma ideia do professor de matemática, que sugeriu um texto norteador estabelecendo relação entre a música e a história da matemática para, a partir daí, pensarem a abordagem da biologia e expandirem a conversa para incluir também outras linguagens, como a linguagem de sinais (Libras) e o inglês.
De acordo com a pesquisadora e professora Maria Teresa de La Torre Aranda, “a língua não é só um meio de comunicação. A língua é um instrumento social. Ela é um meio de expressão. Nós articulamos o que sabemos por meio de uma língua, por meio das nossas línguas. Então, a língua também é um meio de pensamento. E, numa educação bilíngue, a língua está no centro dessa aprendizagem, então, o que acontece é que a responsabilidade pela língua passa a ser de todos os professores envolvidos nesse currículo bilíngue, e não apenas do professor ou da professora de língua. Essa é uma concepção fundamental dentro de uma educação que se propõe a ser bilíngue”. (Podcast. Edu Voices. 2020).
Importa, portanto, saber como a língua transita e constitui os diferentes espaços. Com isso, nos aproximamos de nossa última pergunta do nosso percurso de reflexão em busca de construir um percurso de inovação no processo de implementação de currículos bilíngues. Essa pergunta é: quais são os materiais (didáticos) que orientam o currículo bilíngue?
Quais são os materiais (didáticos) que orientam o currículo bilíngue?
Se fecharmos os olhos e visualizarmos quais são os materiais que conectamos ao currículo bilíngue, em geral, serão materiais vinculados ao ensino de língua adicional. Uma coletânea desses materiais provavelmente seria:
É verdade que todos esses livros importam. É verdade que podemos ter leituras que tratam de ensino de línguas adicionais publicadas em português. Também é verdade, contudo, que um currículo bilíngue não se faz (apenas) pela discussão sobre ensino de língua, mas de uma educação em duas (ou mais) línguas. Ao menos duas áreas são mobilizadas, em especial a Educação e a Linguística Aplicada.
Assim também ocorre com os materiais didáticos: eles não devem estar restritos e limitados ao ensino de língua e tampouco ao componente curricular mais fortemente vinculado ao ensino da e na língua adicional.
Se nos alinhamos com Ofelia García (2009), que defende que o bilinguismo seja considerado a partir de uma visão heteroglóssica de língua, que considera que o sujeito bilíngue se constitui na imbricação de ambas as suas línguas, e não na separação delas; e se não nos alinhamos com a visão monoglóssica, assumindo uma divisão entre primeira e segunda língua na qual o sujeito bilíngue é a junção de dois monolíngues, discutiremos os impactos desse alinhamento para a definição de quais são os materiais (didáticos) que assumimos como parte do currículo bilíngue.
Assumiremos que TODOS os materiais são parte do currículo bilíngue, no sentido de que, de alguma ou outra forma, educam em contexto bilíngue e educam para um mundo que assume que o repertório linguístico da criança/do estudante é composto por todas as suas línguas, e que estas estarão em processo de fluidez nas situações que vivencia.
Com isso, assumimos que um mesmo material pode ser usado em diferentes componentes curriculares e que não apenas os materiais na língua adicional contribuem para a educação bilíngue.
Ao termos percorrido algumas das perguntas que todos nós nos fazemos quando estamos diante de uma situação de implementação de currículo bilíngue e olhamos para as respostas a partir do olhar da inovação, podemos retornar às premissas de inovação assumidas aqui, agora com o olhar da educação bilíngue.
Em um processo de inovação, então, pensamos nossos currículos bilíngues como modelagens pedagógicas que propiciam vivências significativas (em línguas adicionais) para todos, professores e crianças/estudantes, de forma que possamos revisar nosso conceito e o valor da educação que se faz bilíngue.
Olhando de modo mais detido para os três aspectos que nos norteiam, buscamos entender a inovação como:
- Contextualizada, de modo que cada escola precisa entender o SEU currículo bilíngue a partir da discussão das suas premissas pedagógicas, e construir o que o trará inovação para toda a escola.
- Possibilidade de novidade, que não se constitui como uma receita de bolo de outras práticas que são implementadas apenas; a novidade está presente no processo de redimensionar nossas práticas pedagógicas situadas.
- Processo de gerar ideais, não individuais, mas coletivamente; o processo educacional é, por si só, um processo coletivo; pensar a educação bilíngue também o é, por todos os que fazem a educação na escola, com os diferentes modelos mentais presentes.
A partir disso, será possível que a escola como um todo seja impactada nas suas práticas, nos processos de significação e de pertencimento, criando um novo valor para a educação – que se faz em duas línguas.
Então por onde começar? Aqui vão algumas possibilidades: formar uma equipe (diversa); repensar e ressignificar conceitos, em especial aqueles vinculados à língua e à educação; entender o processo de currículos bilíngues como processo de desenvolver e implementar, e não apenas de implementar currículo bilíngue, e assim desenvolver uma educação bilíngue que ouse extrapolar as razões tácitas que justificam um currículo bilíngue e o status quo em termos de entendimentos de currículo bilíngue como espaço exclusivo de ensino de língua adicional; encontrar uma metodologia de trabalho que permita rever processos e encontrar os espaços que fomentem a inovação pedagógica.
Referências Bibliográficas
ANDRIGHETTI, Graziela Hoerbe; SHOFFEN, Juliana Roquele. Português como Língua Adicional para prática docente. In: SHOFFEN, Juliana Roquele et al. Português como língua adicional: reflexões para a prática docente. Porto Alegre:
Bem Brasil, 2012.
ARANDA, Maria de la Torre. Podcast #18. Edu Voices https://music.amazon.com/es-ar/podcasts/9805653e-3499-4ba2-a87f-dea3325f1def/episodes/92e4d669-25f4-4ed2-97ad-94ac9b30178f/edu-voices-18-maria-teresa-de-la-torre-aranda-terry
EHRLICH, Pippa; REED, James. My Octopus Teacher. Netflix, 2020.
HARMERS, J e BLANC, M. Bilinguality and Bilingualism. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.
LIBERALI, Fernanda; MEGALE, Antonieta. Caminhos da educação bilíngue no brasil: perspectivas da linguística aplicada Raído, Dourados, MS, v. 10, n. 23, jul./dez. 2016, ISSN 1984-4018
MARCELINO, Marcello. Bilinguismo no Brasil: significado e expectativas. Revista Intercâmbio, volume XIX: 1-22 2009. São Paulo: LAEL/PUC-SP. ISSN 1806-275x
MEGALE, Antonieta. Educação Bilingue no Brasil. São Paulo: Fundação Santiliana, 2019.
ARANDA, M.T De La T. Implementando uma proposta de Educação Bilingue: e agora? IN: MEGALE, Antonieta (org). Desafios e Práticas na Educação Bilíngue. São Paulo: Fundação Santiliana, 2020.
SHIRLEY, Dennis.; HARGREAVES, Andy. Cinco caminhos para o engajamento: rumo ao aprendizado e ao sucesso do estudante. Porto Alegre: Penso, 2022.
WISSMANN, Jéssica. Práticas Pedagógicas no Processo de Alfabetização em Contexto de Educação Bilíngue. Dissertação de Mestrado. São Leopodo: UNISINOS. Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada, 2023.