Por Inmaculada Llorente Ortiz, professora do Colégio San José de Villafranca de los Barros, na Espanha.
Os “primeiros companheiros” começaram sua viagem em 1534, fazendo seus votos em Montmartre com a firme intenção de ajudar as almas. A experiência pessoal e espiritual de Santo Inácio de Loyola levou a um desejo excessivo de ajudar o próximo, não apenas em questões básicas, mas também nas espirituais. A redação dos seus conhecidos Exercícios Espirituais (EE. EE.) envolveu a transmissão de uma ferramenta básica de espiritualidade inaciana que ajuda as pessoas a encontrar a vontade de Deus em suas vidas e ordená-la em busca desse fim.
O contexto em que começaram os primeiros jesuítas, seu trabalho educacional e o contexto em que encontramos os educadores nos dias atuais diferem-se enormemente. Os meios que temos que utilizar na formação de pessoas “sólidas” em uma “sociedade líquida” como a atual fazem que a tarefa exija a nossa profissionalização, não só no campo da pedagogia, como também no acompanhamento e formação humana. O educador é a figura facilitadora desse processo de construção do projeto vital a serviço do Reino.
Perfil do educador inaciano
O perfil do educador inaciano deriva do perfil de quem realiza os Exercícios Espirituais. De acordo com esta comparação podemos desenhar o seguinte perfil do educador inaciano:
- O educador inaciano deve ter em mente que, na tarefa educativa, professor e estudante se beneficiam e devem aproveitar a relação que se estabelece entre eles. Santo Inácio viveu isso e percebeu que, comunicando o que recebeu, aumentava a sua própria vida interior.
- O trato com os alunos deve ser baseado em um relacionamento próximo e emocional. Essa relação é essencial para que a aprendizagem gerada passe para a ação. Para isso, é necessário produzir uma atitude de respeito. Da mesma forma, o educador deve dar ao aluno incentivo e força nos momentos de fraqueza. A relação, embora gere muita confiança, não é simétrica. O educador deve ouvir e falar de tal maneira que o aluno se sinta bem-vindo e acompanhado. Há de se respeitar, em todos os momentos, a personalidade e a dignidade do aluno.
- O educador tem que dar atenção individualizada ao aluno. É necessário se adaptar à sua pessoa e ver a sua psicologia. O educador dá “maneira e ordem” em função do aluno. Depende dessa adaptação e habilidade do educador. Essa adaptação e habilidade do educador depende, em parte, do êxito da experiência educativa. O educador deve acompanhar o aluno, esclarecê-lo, dar a ele o que ele pode assimilar.
- Ao orientar o aluno, o educador deve ser neutro, e não diretivo. Deve fornecer aspectos para que ele reflita sobre a sua experiência, com respeito e atitude de diálogo. Deve incentivar o trabalho interior e pessoal do aluno. É necessário também para isso que o próprio educador esteja ciente de sua própria experiência, atitudes e opiniões.
- O educador inaciano deve ter sempre em mente que a sua tarefa é focar o trabalho acadêmico para formar homens e mulheres para os demais.
- O educador deve ser um exemplo pessoal à frente de sua ciência como meio de apostolado. O educador tem que ser uma testemunha. O que somos comunica mais do que o que fazemos. Nas palavras de Guibert, “a mensagem principal que damos é o que nós, pessoas, vivenciamos, o que mostramos, a nossa exemplaridade”.
20 breves lições inacianas para educadores
Tomando como referência o texto dos Exercícios Espirituais, fizemos uma seleção dos aspectos da espiritualidade inaciana transferíveis ao processo de acompanhamento da formação humana abrangente de nossos alunos. Os seguintes ensinamentos mantêm a essência da espiritualidade inaciana e orientam a forma de proceder dos educadores de qualquer colégio jesuíta:
1. Motivação inicial: a forma como preparamos o início de uma aula pode ser decisiva no desenvolvimento dos estudantes.
2. Tomar consciência dos estados emocionais: além da preparação externa da aula, devemos estar atentos à nossa preparação interna (educador) e a de nossos alunos: humor, motivações, etc.
3. Promove o seu autoconhecimento: essa é uma das grandes competências que temos que desenvolver com os nossos alunos e é o foco principal da Primeira Semana dos Exercícios Espirituais. Devemos encorajá-los a se tornarem pessoas com um alto grau de conhecimento e aceitação de si mesmos, do seu potencial e das suas limitações.
4. Plante neles o desejo de aprender: a motivação é outro elemento-chave no processo de conhecimento de si mesmo, de Jesus e de elaboração do projeto de vida. Na nossa prática, devemos tentar propor aos alunos diferentes atividades para que nasça o prazer de aprender. Todos nos lembramos de um professor que nos fez gostar da matéria, simplesmente pelo entusiasmo e admiração que mostrou em direção a isso.
5. Identifique o sentimento: Santo Inácio dá grande relevância para este aspecto. É preciso deixar espaço para sentir, identificar o que sente, utilizando a linguagem para isso. É necessário investir em uma boa educação emocional de nossos alunos como base para o desenvolvimento pessoal harmonioso e maduro.
6. Pratique a cura personalis: é uma das principais características do modo de proceder inaciano. Devemos estar atento a possíveis necessidades, deficiências ou dificuldades dos alunos e que podem derivar do conteúdo que estamos trabalhando e acompanhar quem tem mais dificuldades.
7. Valorize a paciência e a perseverança: Santo Inácio alerta para o perigo de encurtar o momento de oração quando chega o momento das desolações. Encorajar que o exercitador seja mesmo “antes de mais do que menos.” Para vencer as tentações, devemos identificá-las. Para Santo Inácio, o testamento é fortalecido se alguém enfrenta com coragem nas adversidades.
8. Mostre a eles seus vínculos: para que nossos alunos possam descobrir aos poucos a vontade que Deus tem em suas vidas, isso deve ser visto livre de amarras e tem que se exercitar sua liberdade de uma visão inaciana. Desde o início, Santo Inácio afirma que “é preciso nos tornarmos indiferentes a todas as coisas criadas”. Indiferença e liberdade são dois conceitos que estão interligados na espiritualidade inaciana, uma vez que, sem um, não há o outro. Hoje, com um mundo cada vez mais consumista e superestimulado, é fácil cair em dependências que restringem a nossa liberdade. A formação que oferecemos nas nossas escolas deve ajudar a promover a consciência do que impede crescer em liberdade.
9. Ensine-lhes o caminho do perdão e da reconciliação: são atitudes enraizadas na espiritualidade inaciana e é o ponto de partida da Primeira Semana dos Exercícios Espirituais. Nas palavras do Pe. Geral, Arturo Sosa, SJ, “nossas escolas são uma plataforma magnífica para ouvir, servir e contribuir para que as crianças e os jovens de hoje possam sonhar com um mundo novo, mais reconciliados, justos e em harmonia com a criação da qual eles próprios sejam os construtores”.
10. Eduque sua sensibilidade: é o prelúdio da compaixão. Se quisermos que os nossos alunos tenham amor, ternura, acolhimento, redenção, é necessário que em sua formação eles sejam sensíveis ao que veem, o que ouvem, o que tocam.
11. Mostre-lhes Jesus como modelo: a figura central dos Exercícios Espirituais é Jesus de Nazaré. Precisamos explicar sua figura como referência para nossos alunos. Desde a infância há que se despertar neles a amizade com Jesus e admiração por ele. Ele tem de ser a fonte de inspiração para suas ações presentes e futuras.
12. Ensine-lhes a natureza global do mundo: com a Contemplação da Encarnação nos é pedido que formemos alunos atentos ao mundo, especialmente onde as pessoas sofrem, Uma vez que eles acolhem o mundo frágil e o guiam por sua paixão, eles terão que agir com justiça guiada pela sua fé.
13. Educar na simplicidade e no serviço: Deus encarnou em Jesus de Nazaré um simples carpinteiro. Deus se apresenta a nós da maneira mais simples, mais clara e mais natural da vida cotidiana. Santo Inácio, para como Ele, dedicou sua vida a servir aos outros com humildade, simplicidade e altruísmo. Não há prova de amor maior do que quando nos deixamos ir e nos entregamos aos demais. Isso requer que nossos alunos estejam atentos uns aos outros e deem importância aos pequenos detalhes e gestos cotidianos que denotam amor ao próximo.
14. Acompanhe-os na jornada rumo ao seu mundo interior: Santo Inácio foi um verdadeiro professor de discernimento. Quando discernimos, descobrimos a vontade de Deus e nos esclarecemos. Os movimentos são uma ferramenta necessária neste processo de tomar decisões e saber compreendê-las.
15. Torne-se consciente e viva o momento presente: além de adaptar a atividade aos nossos alunos, temos que prepará-los para o início do dia. Temos que conscientizá-los do momento presente em que se encontram, vivendo, sem pressa.
16. A oração como caminho para o Pai: orar é uma prática inerente à nossa experiência daquilo que acontece por aí. Para isso, devemos adaptar-se às idades dos alunos. Os alunos têm que experimentar diferentes maneiras de se aproximar de Deus. Nos Exercícios Espirituais encontramos uma enorme fonte de recursos para oração: meditação, contemplação, exame, aplicação dos sentidos, etc.
17. Use a pausa inaciana: adaptado às suas características, este breve exercício de revisão diária ou semanal ajuda a reviver o que foi vivido e aprender a ser grato ao Pai. Também nos permite contribuir e iluminar nossos pontos fracos, aprender com eles e propor que eles não se repitam no futuro. Com sua prática, contribuímos para a formação de pessoas conscientes.
18. O externo leva ao interno: cuidar dos elementos externos também ajuda os alunos a vivenciar o interior. Santo Inácio era mestre nisso: gestos, configuração.
19. Aprimore os sentidos para alcançar o mundo interior: Santo Inácio, nos Exercícios Espirituais, encoraja a educação da sensibilidade. Os sentidos são o canal através do qual recebemos todas as experiências do nosso entorno.
20. A contemplação como caminho para Deus: a contemplação é um caminho da oração típica de Santo Inácio, que deixemos de lado o aspecto cognitivo e nos concentramos em gostar e sentir. Consideramos ambas as ações essenciais se quisermos formar pessoas conscientes.
Educando o estudante inaciano no século XXI
Pressupõe que o educador deve viver guiado pela espiritualidade inaciana e que isso seja transmitido aos alunos através de sua exemplaridade na vida cotidiana. Além disso, devemos ter em mente que o próprio educador também vê sua própria vida interior em sua interação com o corpo discente. Dada uma tarefa tão grande como educar para homens e mulheres para os demais, o educador inaciano deve cuidar de cultivar a sua própria espiritualidade e usar para isso as ferramentas que o próprio Santo Inácio nos deixou como legado.
Fonte: Centro Virtual de Pedagogia Inaciana