Por Rosânia Siquara, pedagoga e orientadora educacional do Colégio Antônio Vieira, com especializações em Família na Sociedade Contemporânea, Cidadania Global e Psicopedagogia.
O impacto da cultura globalizante no moldar das escolhas, nos modos de ser, agir, consumir e estar no mundo exige uma atenção especial dos pais de adolescentes. É importante estar atento para explorar os aspectos multifacetados da vida desses jovens em formação, validando suas histórias e culturas, narrativas e vivências, confrontando ideias estereotipadas e universais. Torna-se essencial, nesse sentido, refletir sobre a desnaturalização de comportamentos determinados como típicos de adolescentes e ampliar a visão sobre a função social da família e a ética do cuidado, sobretudo numa sociedade pautada pelo consumismo, cujas relações evidenciam desproteção e desamparo, tanto nas questões afetivas quanto nas vulnerabilidades sociais.
Costuma-se legitimar a adolescência como um prelúdio de um tempo difícil, de ruptura devastadora, rebeldia e problemas. Essas ideias camuflam a singularidade e a grandiosidade que envolvem os atores adolescentes, dotados de uma história viva, dinâmica e singular, que precisam e devem ser acompanhados e orientados por suas famílias, sem que se deixe de respeitar sua individualidade.
Papel da família
O médico psiquiatra e psicanalista Luiz Carlos Osório destaca, em seu livro Família Hoje (1996), que “a família possui um papel primordial no amadurecimento e desenvolvimento biopsicossocial dos indivíduos, apresentando algumas funções primordiais, as quais podem ser agrupadas em três categorias que estão intimamente relacionadas: funções biológicas (sobrevivência do indivíduo), psicológicas e sociais”.
A relação família e adolescente, quando marcada por cuidado, respeito, diálogo, afeto, aplicação de regras claras e firmes, que demonstrem amparo e proteção, é estruturante e fortalece os vínculos parentais. Assim, tanto no âmbito familiar como no escolar, as diferentes formas de cuidado devem ser estimuladas.
Medo de “flopar”
No século XXI, pais e educadores deparam-se com comportamentos considerados comuns aos adolescentes, principalmente nos grandes centros urbanos, que muitas vezes exemplificam o engendramento de um consumismo desenfreado, tais como: uso de celular, preferencialmente modelo de última geração; acesso livre às redes sociais; acesso sem vigilância ao cartão de crédito; PIX; banalização do consumo do cigarro eletrônico e de bebidas alcoólicas; vestuários e acessórios diversos obrigatoriamente idênticos aos do grupo do qual fazem parte.
Acrescenta-se a este cenário a utilização das relações interpessoais, das amizades, como objeto de consumo. Percebe-se, então, que os adolescentes convivem com o medo de que as suas relações possam sucumbir perante conflitos, fragilidades, diferenças comportamentais, econômicas, entre outras. Na linguagem dos adolescentes, consistiria em “flopar”, ou seja, deixar de existir, tornar-se invisível, ser ignorado, fracassar…
Consciência crítica
A realidade exige, tanto da escola quanto da família, não apenas identificar as consequências do consumismo como promover ações que favoreçam a humanização e uma consciência crítica que compreenda a importância da cidadania global como condição para a nossa existência. Ampliam-se, assim, as possibilidades de termos cada vez mais adolescentes que, mesmo diante do contexto neoliberal em que vivem, conseguem se conectar a experiências riquíssimas de companheirismo, escuta, protagonismo, solidariedade, acolhimento e respeito às diferenças.
Seria, portanto, muito mais que a compreensão não simplificadora das inúmeras representações, contradições, vozes e silêncios. É preciso criar possibilidades de conviver, a partir de engajamento e ações que deem sentido à vida. É o saborear do sorvete, o contemplar da lua – não apenas em período de eclipse, o extasiar-se com a transcendência, conversar, chorar, sorrir junto com amigos, participar de ações solidárias, praticar esportes… compreendendo o gerúndio de estar adolescente. Metamorfoseando, descobrindo, transformando, conquistando, vivendo, convivendo.
Fonte: Revista Vieirense 2024