Por Maria de Fátima Barbuto, coordenadora de formação da Rede Inaciana para a Colaboração, Fé e Espiritualidade (Rede Servir)
Quem já fez alguma modalidade dos Exercícios Espirituais [EE] com certeza ouviu falar da expressão “Projeto de Vida”. Mesmo para quem não teve essa experiência, acredito que, tanto o termo quanto o conceito sejam familiares. A palavra “projeto” se origina do latim projectum (pro–jectum). Pro indica precedência, antes de; jectum quer dizer jogado, atirado. Temos, assim, que projectum – projeto – significa “algo a fazer antes de”.
Também sabemos da importância de refletir e decidir antes de agir e das consequências, por vezes nefastas, quando agimos por reflexo ou impulso, mas, nem sempre nos detemos, de fato, nesta questão. Santo Inácio de Loyola, grande conhecedor da natureza humana, deixou, em seus EE, muitas orientações que ajudam a parar, silenciar, considerar, refletir, examinar, discernir para, só então, eleger, escolher.
Somos criaturas e, como tal, sujeitos ao tempo e ao espaço, a termos uma visão, por vezes, limitada pelos acontecimentos passados, pela história pessoal, pela cultura na qual estamos inseridos. Estes fatores podem levar a uma leitura “viciada” dos fatos e, pior, das pessoas, que gera pré-conceitos, repetições de padrão comportamental, ações seguindo costumes, sem uma adesão voluntária, sem passar pelo crivo do que de fato se é, se deseja e se busca.
Entendo os EE como uma escola de liberdade, nos quais, pela oração, vamos conhecendo mais a Deus e a nós e, ampliando o olhar, tornamo-nos mais atentos à realidade, aos outros e ao mundo. Com os sentidos interiores e exteriores assim despertos – por ação da graça –, brota o desejo de ser uma pessoa melhor, de ter uma ação positiva no mundo; vamos buscando ordenar mais nossos afetos, aprendendo a usar das coisas tanto quanto elas nos ajudam ao fim desejado. Este desejo leva ao entendimento do que é meio, para se atingir o fim desejado, e qual é nosso objetivo verdadeiro, o sentido da nossa vida.
Aqui entra o Projeto de Vida! Pedindo a graça de olhar para si, para os outros e para o mundo, com os olhos misericordiosos de Deus, de rever como tem sido a sua própria vida, as suas atitudes e escolhas, e de, então, traçar o caminho que se deseja trilhar, descobrir o fim que se almeja e quais os meios para alcançá-lo. A vida não é algo estático ou pré-determinado, tem um dinamismo, uma constante interação e aprendizado. O passado não nos impõe, mas ensina. Unido ao presente, temos mais subsídios para lançar expectativas e, assim, com os pés no chão, sonhar e desejar. Os sonhos e desejos devem ser alimento, energia para viver. Nem sempre realizaremos todos eles, mas sem sonhos não saboreamos sequer o momento presente, perde-se o brilho no olhar, a esperança, a alegria.
Fazer um Projeto de Vida deve ser sonhar grande, e, então, dividir este sonho nas etapas necessárias para que, no dia a dia, se viva com sentido, realizando, nas ações e escolhas, os passos concretos que são possíveis, “o que você dá conta”, para ir se aproximando do sonhado. Ter um Projeto de Vida nos impulsiona ao MAGIS, à busca por ser o melhor que se pode, fazendo as escolhas que mais ajudam a continuar crescendo, aprendendo, buscando uma vida plena. Vale a pena, por ser a vida um dinamismo, prever no projeto, de quanto em quanto tempo o reavaliará, para fazer ajustes de percurso, rever o que tem sido positivo, o que tem sido negativo, e assim traçar, se necessário, novos rumos ou novos modos para se alcançar as metas. O dito popular: “burrice é fazer sempre a mesma coisa esperando um resultado diferente” é uma grande verdade; mesmo assim nos pegamos repetindo os mesmo erros e insistindo em coisas que já comprovamos que não terão bons resultados.
Fazer um projeto de vida é lançar um olhar sobre a vida, sobre um todo e, então, sobre pontos específicos. Pode ser por áreas, por dimensões – pessoal (eu comigo mesmo); social (eu com os outros e com o mundo); espiritual (eu com Deus); profissional (estudo, trabalho, pastoral). Algumas perguntas podem dar pistas para fazer o projeto: Estou feliz? Isto me completa? Quando olhar para trás, que sentimento terei se seguir neste percurso atual?
O ser humano, criado a imagem e semelhança de Deus, recebendo o sopro divino para ser vivente, portanto, não é feliz com pouco. Somos criados para a vida eterna, para passear com Deus no jardim, na brisa da tarde (cf. Gn 3,8), para viver em plenitude e ser feliz. Fazer um Projeto de Vida é discernir e escolher o que me realiza verdadeiramente, enquanto criatura muito amada.
A vida dá voltas, diz o ditado. O ser humano, como vemos na história da humanidade, tem a capacidade de ir se adaptando, raciocinando e aprendendo. Os acontecimentos desagradáveis, as perdas, as dores, as limitações fazem, também, parte da vida. Como se lida com elas, o que se decide fazer é que faz a diferença. Pe. João Batista Libânio, SJ, dizia que os acontecimentos ruins são oportunidade de crescimento. Você pode impulsionar seu caminho, sem perder de fato o rumo, nem ficar paralisado perguntando-se “por que eu?”, “por que isso?”, é preciso buscar “para onde vou com isso”. Do projeto fracassado de Iñigo de Loyola surge Santo Inácio de Loyola; este segundo, se deixou inspirar e conduzir por Deus. Peça a graça, você também, de ser dócil ao Espírito Santo. Deixe-se iluminar e faça seu Projeto de Vida. Não permita que o urgente o afaste do mais importante.
Fonte: Rede Servir