A comunidade educativa do Colégio Anchieta, em Porto Alegre (RS), se levanta em solidariedade diante das adversidades que assolam nossa cidade e região. Nas últimas semanas, o Rio Grande do Sul enfrentou uma das mais significativas catástrofes de sua história, deixando marcas permanentes não apenas na paisagem, mas também nos corações dos gaúchos. Em Porto Alegre e Região Metropolitana, vivemos um déjà-vu com a enchente que superou a grande inundação de 1941.
Desde os primeiros momentos, jesuítas, estudantes, familiares, funcionários, professores, antigos alunos e escoteiros manifestaram um ímpeto inabalável em oferecer auxílio aos necessitados. Entre eles, precisaram de ajuda cerca de 200 pessoas desabrigadas e acolhidas no espaço de convivência do Morro do Sabiá, além de 109 colaboradores e 55 estudantes atingidos direta ou indiretamente. Sendo assim, mais do que simplesmente doar recursos materiais, o acolhimento e o acompanhamento dos desabrigados tem sido uma grande prioridade para os anchietanos
Acolhimento no Morro do Sabiá
Em uma resposta imediata e proativa que refletiu os princípios fundamentais do Colégio, enraizados na tradição educativa jesuíta, o espaço de convivência do Morro do Sabiá foi ofertado à Defesa Civil logo no início dos resgates dos desabrigados em consequência da enchente. “Rapidamente, percebemos que podíamos ajudar e essa ajuda foi articulada com a Associação de Pais e Mestres (APM), escoteiros, antigos alunos e com a participação de estudantes”, conta Dário Schneider, diretor Acadêmico do Colégio Anchieta.
Foi no dia 04 de maio, um sábado, que a comunidade educativa se prontificou a receber cerca dezenas de pessoas no Morro do Sabiá, atendendo às suas diversas necessidades e respeitando as suas dignidades. Foram acolhidos moradores do bairro Humaitá, localizado na zona norte da Capital, um dos mais impactados pela enchente. Entre eles, pessoas assistidas pelo Centro Social Vila Farrapos, mantido desde 2010 pela Fundação Fé e Alegria, e completamente inundado durante a tragédia climática. “Posso dizer, como antigo aluno, que nunca tinha visto a comunidade anchietana se mobilizar tão rapidamente”, relata o integrante da Associação dos Antigos Alunos do Anchieta (4A), Gabriel Telles, que dividiu sua rotina de estudante universitário com ações diárias no Morro do Sabiá. Em pouco tempo, o campus da Zona Sul, que geralmente recebe a comunidade para atividades pedagógicas e de confraternização, se consolidou como um espaço de convivência entre voluntários e acolhidos, possibilitando o compartilhamento de histórias e o fortalecimento mútuo. “Todos os dias chegam novos desafios que precisamos aprender a lidar”, assinala Schneider.
Enquanto isso, os pontos de coleta distribuídos pelo Colégio já estavam em pleno funcionamento, recebendo doações de agasalhos, alimentos e outros itens essenciais. “A APM coordenou um movimento que exigiu compasso no pensar, sentir e agir”, conta Débora Muletaler Scheler, presidente APM. Esses recursos, cuidadosamente triados com grande ajuda do Grêmio Estudantil Anchieta (GEA), foram direcionados tanto para os necessitados do abrigo, quanto para os membros da comunidade interna afetados pelo desastre climático.
O senso de pertencimento e a formação integral, valores que permeiam a instituição, se manifestaram de forma vívida durante essa crise. “Essa ação solidária não apenas alivia o sofrimento imediato, mas também promove valores de solidariedade, compaixão e responsabilidade social entre os membros da comunidade educativa, contribuindo assim para uma formação integral que supera o currículo acadêmico”, reflete o professor e jesuíta Higor Jesus de Lima, que coordenou as ações de voluntariado no Morro do Sabiá. Para ele, após o atendimento das necessidades emergenciais, a oportunidade de poder se aproximar mais das pessoas, aprender seus nomes e conhecer suas histórias “tem sido o mais gratificante e o que de fato tem me mobilizado humana e espiritualmente”, declara.
Refúgio que nutre corpo e alma
Em uma jornada marcada pela solidariedade e dedicação, o trabalho no Morro do Sabiá ergueu um santuário de esperança e cuidado. Foi assim que, ao longo dos dias, abrigados e voluntários encontraram uma rotina em meio ao cenário de incertezas. “Nossas ações se transformaram em atividades que levam carinho e conforto aos desabrigados. Pensamos em atividades para as crianças e adultos, e, assim, fomos acolhendo as pessoas”, conta Telles.
Foi a partir da fundamentação nos valores jesuítas que o local de acolhimento estabeleceu uma harmonia entre os pilares essenciais da dignidade humana: alimentação, saúde, segurança e lazer. Por lá, a cozinha se transformou em um altar de generosidade. O alimento que aquece o corpo e fortalece o espírito foi provido em parte por doações externas, e, também, pela comunidade escolar. Desde o início, o envolvimento ativo na produção de refeições realizou desde a compra de mantimentos até a entrega das refeições no abrigo.
“Em tudo amar e servir”, um dos ensinamentos de Santo Inácio de Loyola, era a frase que dava as boas-vindas aos voluntários e acolhidos na porta da clínica médica improvisada. O espaço, adaptado dentro de uma sala multiuso, foi posto em prática pelo médico geriatra Dr. Emílio Moriguchi, antigo aluno e escoteiro. Com o forte apoio de outros membros da Associação dos Antigos Alunos (4A) e do Grupo Escoteiro Manoel da Nóbrega, incluindo suas filhas, Carolina e Clara, a clínica atendeu diferentes necessidades desde a chegada dos desabrigados. Além dos cuidados essenciais pós-enchente, também foi possível acompanhar condições pré-existentes, renovar receitas, realizar exames clínicos e receber medicamentos. Ademais, diferentes profissionais da saúde se mobilizaram para atender questões odontológicas e emocionais.
Buscando um ambiente de paz e tranquilidade, a vigilância do espaço também se tornou um ponto de atenção. Por este motivo, a APM custeou a contratação de segurança privada. Entretanto, não apenas o corpo e a segurança foram priorizados, a alma também encontrou alento nos corredores do abrigo. Através das artes, a comunidade anchietana teceu momentos de reflexão e contemplação, tocando os corações de todos os envolvidos. Do campo de futebol às sessões de cinema improvisadas, do Show Musical do Anchieta às apresentações artísticas de antigos alunos, das mãos que embelezam com cortes de cabelo ao amor expresso em datas especiais, como o Dia das Mães, cada gesto revela a beleza da solidariedade e o poder transformador da fé em ação.
Apoio aos colaboradores e estudantes afetados
A fim de mapear a situação de seus quase 500 colaboradores e mais de 3 mil alunos, o Colégio Anchieta criou o Comitê de Atendimento aos Colaboradores Atingidos pela Enchente de 2024. “Desde o início da criação do comitê, nosso compromisso tem sido o bem-estar de cada membro da comunidade escolar”, conta Josiane Sturmer, assistente social. Liderado por Isabel Tremarim, coordenadora do Serviço de Orientação Educacional e da Rede de Pais, o comitê foi composto por um jesuíta, integrantes da APM, Assistência Social, Centro de Professores do Colégio Anchieta (CPCA) e do Centro dos Funcionários do Colégio Anchieta (Cefuca) e realizou o atendimento inicial das necessidades com o apoio de diferentes organismos complementares.
A partir do primeiro contato com professores e funcionários afetados, cada setor do comitê organizou suas ações, conforme as demandas individuais mais urgentes, incluindo atendimento psicológico gratuito. “Esse suporte foi essencial para ajudar nossos funcionários a enfrentar os impactos emocionais causados por essa tragédia climática”, explica Sturmer. No total, 109 colaboradores foram afetados direta ou indiretamente. O comitê identificou que 27 pessoas foram atingidas com a perda de suas residências e 82 pessoas registraram danos materiais ou acolhimento a familiares desabrigados.
No atendimento aos alunos, após o mapeamento dos bairros mais atingidos pelas enchentes e dos estudantes que ali residem, cada família foi acolhida individualmente. Até o momento, foram identificados 55 estudantes impactados e, desses, 17 deles tiveram suas casas alagadas. Entre os donativos oferecidos estão uniformes, material escolar, cestas básicas e roupas para familiares, além de auxílio financeiro para urgências.
Parte importante da ajuda à comunidade interna foi a arrecadação via PIX promovida pela APM. No total, foram R$160 mil reais transferidos diretamente para a conta da Associação de Pais e Mestres, um valor inestimável para quem precisa recomeçar. O sucesso da campanha solidária foi tão grande que, menos de um mês após o início, o pedido de doações já foi encerrado. Conforme a presidente da APM, as contribuições “serviram para atender as necessidades dos atingidos da comunidade anchietana, abrangendo professores e funcionários, além de atender as necessidades dos abrigados no Morro do Sabiá”. O valor foi utilizado da seguinte forma:
– 50% do valor foi reservado para auxílio financeiro aos professores e funcionários atingidos diretamente pelas enchentes e repassado para as suas contas.
– 30% do valor foi destinado às urgências e emergências no Morro do Sabiá. Entre elas, serviços de segurança, compra de medicamentos, materiais para oficinas, colchões, alimentos e eletrodomésticos.
– 20% do valor foi dividido em quotas para auxílio imediato à sociedade civil para a compra de suprimentos que atenderam as inúmeras frentes de ação já organizadas.
Solidariedade e voluntariado na missão jesuíta
Inspirados pela fé e pelo exemplo de Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, os jesuítas veem o voluntariado como expressão genuína de amor ao próximo, solidariedade e valores institucionais. “Mesmo neste momento, nesta adversidade, nós conseguimos manter a ação educativa”, explica Isabel Tremarin. Para ela, o movimento imediato da comunidade em prol dos necessitados mostra que “o nosso testemunho é forte, é consistente, tem sentido e está presente na comunidade”, finaliza.
Nesse contexto desafiador, cada gesto de apoio e cada ato de compaixão ressoam como testemunhos vivos da missão do Colégio Anchieta. Unidos pelo espírito de solidariedade, os integrantes da comunidade escolar seguem adiante, firmes na convicção de que juntos podem superar qualquer obstáculo.
Fonte: Colégio Anchieta (RS)