O que significa tradição e inovação para os colégios e as escolas da Companhia de Jesus? Para preservar o espírito jesuíta nas instituições, é imprescindível não apenas manter o legado da fé e da tradição dos colégios e antepassados, como também estar aberto para novos horizontes e perspectivas do futuro, utilizando a inovação como motor do crescimento. A reflexão sobre inovação pedagógica impulsionou os principais movimentos da Rede Jesuíta de Educação Básica (RJE) nesses últimos anos, e norteou todas as discussões do II Congresso da Rede realizado entre os dias 06 e 09 de agosto, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e no Colégio Santo Inácio.
O documento Inovação Pedagógica: contexto e proposta da Rede Jesuíta de Educação Básica, lançado no mês de maio, traz importantes reflexões sobre o tema. “Pensar as instituições educativas da Rede Jesuíta de Educação Básica (RJE) na perspectiva da inovação pedagógica, não só levando em conta, mas honrando sua robusta tradição educativa, envolve compreender o momento histórico que vivemos, a constituição e a trajetória das Unidades Educativas (colégios e escolas) e da própria Rede, além das implicações e importância do papel que desempenham e venham a desempenhar no cenário nacional” (p. 09).
Quando se fala em inovação, muitas vezes vêm à mente temáticas relacionadas às novas tecnologias. Na Companhia de Jesus, entretanto, a ideia da inovação sempre esteve presente em sua tradição educativa. “Para nós, da Rede Jesuíta de Educação, a discussão entre tradição e inovação faz parte da nossa matriz identitária, em função de aproximadamente cinco séculos de experiência e conhecimentos em educação e o quanto que, a partir do contexto, a partir da realidade, da vida, da atualidade, as nossas instituições se encontram abertas para observar, compreender os melhores meios, as melhores formas, os melhores espaços, as melhores pessoas para fazer com que a nossa missão seja cumprida desde a nossa realidade escolar. A nossa missão em promover a educação de excelência, por meio dos valores cristãos e inacabados, formando cidadãos conscientes, competentes, compassivos, criativos e comprometidos, pressupõe uma abertura. E essa abertura é a inovação, é a construção de um futuro cada vez mais justo e esperançoso para todos nós. Como Rede Jesuíta de Educação, nós temos uma tradição e nós sabemos inovar”, destaca o diretor da RJE, professor Fernando Guidini.
O assessor pedagógico da Rede, Pe. Luiz Fernando Klein, SJ, nos lembra que a tradição em inovar é retomar a história, o desenvolvimento, a trajetória do fazer educativo, mas ao mesmo tempo ser flexível, aberto, despojado e desapegado para se adaptar aos desafios e às exigências do mundo contemporâneo. “Não é simplesmente tomar todo um acervo, uma riqueza, um tesouro e colocá-lo num outro contexto sem nenhuma ligação; é ter essa fidelidade, essa apropriação, mas ao mesmo tempo ter essa flexibilidade da introdução do cotidiano”, completa.
Ao longo do tempo, diferentes documentos foram elaborados para nortear o trabalho na perspectiva da tradição e inovação, entre eles Características da Educação da Companhia de Jesus, em comemoração à primeira versão da Ratio Studiorum, em 1986; Pedagogia Inaciana: uma proposta prática, em 1993; e mais recentemente, em 2019, Colégios Jesuítas. Uma Tradição Viva no século XXI: um exercício contínuo de discernimento. “Para nós, tradição e inovação não são duas palavras opostas. Nossa tradição nos encoraja, nos impulsiona e exige a inovação. Como resposta aos novos contextos e como fidelidade criativa à nossa missão. Para os novos contextos, teremos, então, que renovarmos e inovar, para que possam servir nossa tradição pedagógica com os desafios atuais. Para nós, nossa tradição nos exige inovar”, ressalta o Pe. José Alberto Mesa, SJ, secretário mundial para a Educação Básica da Companhia de Jesus.
Escuta de todos os agentes do processo educativo
“Eu acredito que quando falamos deste tema – tradição em inovar – principalmente na Rede, tem muito a ver com o esforço em se manter atual, de encarar os desafios que surgem a partir de uma realidade que muda a cada momento e se adaptar a isso, mas sempre tendo como norteador os princípios que são para essa comunidade tão fortes, de amar e servir, como Santo Inácio nos ensina, sobre o autoconhecimento, sobre a mobilização da nossa comunidade e a formação integral”. O depoimento de Laura Baptista, estudante do Ensino Médio do Colégio Santo Inácio, no Rio de Janeiro (RJ), vai de encontro ao que diz o Projeto Educativo Comum da Rede Jesuíta de Educação Básica (PEC): tradição e inovação se tornam movimentos complementares que, juntos, têm a potencialidade de “propor e implementar melhores práticas educativas que realmente possam encarnar a excelência humana de nossa educação e transformar nossos estudantes, nossas sociedades e a nós mesmos” (PEC, p. 91).
As escolas jesuítas são embasadas pelos valores inacianos. São espaços para desenvolverem uma escuta atenta, de compreensão, de acompanhamento e avaliação constantes de todos que constituem as comunidades educativas e, também, para se renovarem, recordando do modo de proceder inaciano, de que se colocar à serviço exige disponibilidade de ter um olhar crítico ao seu tempo e aceitar o desafio de explorar novas possibilidades para um mundo melhor. “Tradição em inovar é a tarefa de conectar a nossa história, a tradição; o presente, o contexto com os seus desafios, usando e pensando sempre no futuro, os frutos e as nossas sementes. Ou seja, é refletir para poder agir, buscando caminhos da nossa essência no coração pulsante da educação jesuítica. A tradição é estar sempre inovando, contemplando a excelência humana, a formação integral de todo sujeito”, afirma Melissa Misiuk de Castro, professora do Colégio Catarinense, em Florianópolis.
Uma aprendizagem integral requer compreender que as formas de aprender dos estudantes são distintas, em espaços diversos, e com realidades e necessidades diferentes. Somente assim, a partir deste entendimento, será possível formar cidadãos competentes, conscientes, compassivos, criativos e comprometidos. “Depois de tantos anos estudando em uma escola jesuíta, posso dizer que a tradição em inovar é a educação ser usada por nós, alunos, como uma ferramenta para navegar no mundo ao nosso redor. Tanto aprendendo a ser mais para os demais, quanto para me autoconhecer. É a educação se moldar junto com o cidadão e estar em sintonia com as mudanças”, define Lorenna Lopes Gerodetti, estudante do Ensino Médio do Colégio São Luís, em São Paulo (SP).
O documento Inovação Pedagógica afirma que a “inovação só será significativa, potencial, verdadeiramente sustentável e adequada ao projeto educacional de uma instituição se ela for discernida, planejada e construída com e a partir da mobilização, implicação, participação e envolvimento de todos os educadores. Pensar nos beneficiários da inovação nos leva a eleger primeiramente os estudantes, razão de existência de um centro educativo. Contudo, a inovação e seus movimentos beneficiam toda a comunidade educativa tornando a escola um centro irradiador de inovação, uma irradiação apostólica, uma cidade educativa inovadora que transcende seus muros e impacta positivamente a sociedade em que está inserida” (p. 46 e 47). “Falar em inovação significa a gente conseguir oferecer respostas para os desafios contemporâneos. Isso porque, inspirados na espiritualidade inaciana, nós precisamos o tempo todo trabalhar o processo educativo a partir do contexto. Então, é fundamental que conheçamos a realidade dos nossos estudantes, que conheçamos a perspectiva dos nossos estudantes a respeito dessa realidade, para que consigamos oferecer para eles uma educação que efetivamente os prepare para o mundo. E isso nos leva a uma perspectiva de inovação constante para sermos fiéis à tradição da educação jesuíta”, considera Rita Mury, diretora acadêmica do Colégio Santo Inácio, no Rio de Janeiro.
Na Escola Nhá Chica, em Montes Claros (MG), a diretora geral, Leila Xavier Amorim, procura inovar, a cada dia, com um olhar amoroso, carinhoso e atencioso. “Eu penso que é a tradição viva, é tocar não somente, mas também o coração. É a gente ser magis, servir, fazer o nosso melhor a cada dia. Não se trata de fazer o novo pelo novo, mas se trata de um novo que haja de coração. Nós temos que ter a audácia apostólica, como nos fala a Quarta Preferência Apostólica, de acompanhar os jovens em um futuro cheio de esperança”.