O impacto da música no desenvolvimento e aprendizado de crianças e adolescentes

Nos últimos anos, pesquisas têm revelado uma conexão entre a música e o cérebro, destacando que os ritmos e as canções podem influenciar não apenas o nosso humor, mas também a nossa capacidade de aprender.  Em sua dissertação de mestrado, A dependência de contexto por meio da intervenção de música e seu efeito na memória declarativa: um estudo exploratório, Márcio Bittencourt Reggiori, professor de Música na Formação Complementar e Neurociências e Aprendizagem do Colégio Anchieta, em Porto Alegre (RS), realizou um estudo com 74 participantes, com idades entre 20 e 60 anos,  que buscou investigar o efeito de uma composição de Mozart na aquisição e recordação de memória declarativa. “Dentro do estudo da neurociência, memória e aprendizagem são sinônimos. Eu posso falar que a música traz ganhos e benefícios para a memória, mas o público em geral pode pensar ‘mas o que é memória?’. Memória, para a maioria das pessoas, é quem tem facilidade em decorar dados em geral. Isso é um tipo de memória. Todo o resto da aprendizagem que temos ao longo da vida, seja ela com experiências acadêmicas ou do dia-a-dia, o nosso cérebro aprendeu, isto é, adquiriu uma memória como fazer determinado prato, como tocar um instrumentos, etc.”, explica.

Além de dar aula para crianças a partir do 1º ano do Ensino Fundamental, Reggiori trabalha na formação complementar, com instrumentos de corda, violão, guitarra, baixo e ukulele, e ministra uma disciplina eletiva no Novo Ensino Médio de prática musical, cujo objetivo, além de ensinar a tocar os instrumentos no formato de banda, é socializar.  “A prática musical pode fazer com que o cérebro aprenda a aprender. Devido à liberação de endorfina e dopamina, é possível desenvolver mecanismos que gerem o prazer na aquisição de novos conteúdos e uma espécie de predileção pelo ato de aprender, em função da recompensa proporcionada por esses neurotransmissores”, analisa.

“A ciência conseguiu explicar por que a música tem o poder de nos despertar sentimentos e lembranças, sejam boas ou ruins. Quem toca um instrumento, conta com uma ferramenta incrível que estimula circuitos neuronais. Com isso, várias sinapses são ativadas, gerando respostas tanto psíquicas, motoras, ocasionando uma melhora dos padrões comportamentais que podem encorajar a expressar infinitos tipos de emoções, sem falar nas possibilidades de criar combinações melódicas que refletem sentimentos”, completa Antônio Carlos Lopes de Souza, professor de Música no Colégio Anchieta, em Nova Friburgo (RJ).

Em sala de aula, os professores podem usar a música em diferentes atividades para melhorar a concentração e o engajamento dos alunos. “Podemos usar músicas com letras educativas para aprender conteúdos, facilitando a memorização, através do canto, utilizar músicas instrumentais de fundo para ajudar a ter um ambiente mais tranquilo e contribuir para atividades que exijam concentração, além de usar músicas animadas para iniciar uma aula, e músicas suaves para fazer um momento de relaxamento após atividades intensas”, sugere Juliana Sens, professora de Dramatização e Musicalização no Colégio Catarinense, em Florianópolis (SC).

Do ponto de vista da educação musical, aponta Reggiori, é importante criar momentos de apreciação musical em aula, de diversos gêneros, como jazz, repertório sinfônico, samba, choro, entre outros. “Ao estudar um instrumento e ter a música incorporada de forma consciente no dia a dia, já temos ganhos bastante produtivos na escola. O bem-estar proporcionado pela música, como diminuição da ansiedade e da depressão, por si só já traz benefícios fundamentais para a aprendizagem”, afirma.

Conheça, a seguir, mais algumas iniciativas musicais desenvolvidas pelas unidades da Rede.

Coral de Estudantes e Coral de Pais e Educadores do Colégio dos Jesuítas

Desde 2011, o professor Guilherme de Oliveira é o regente do Coral de Estudantes e do Coral de Pais e Educadores do Colégio dos Jesuítas, em Juiz de Fora (MG).  Quando iniciou o projeto, ele recorda que eram oito pessoas; hoje, são cerca de 80. “Eu não faço teste para aprovação e reprovação no Coral, só realizamos testes para saber o tipo de voz que o estudante, o colaborador ou o pai tem. E isso tira muito aquele mito de só quem tem um dom que pode cantar, porque com o processo você vai afinando e educando a voz da pessoa. É muito gratificante você ver esse desenvolvimento e o retorno que recebo dessa conquista de estar percebendo que a qualidade vocal está melhorando”, conta. 

O Coral de Estudantes foi fundado nos anos 2000 e reúne alunos do 6º ano do Ensino Fundamental à 3ª série do Ensino Médio, o que permite uma troca de experiências entre diferentes idades. Além disso, Guilherme analisa que a música influencia no desenvolvimento socioemocional e no relaxamento. “Eu falo que o Coral é um momento de aterramento da nossa rotina. O pessoal normalmente chega cansado no ensaio, e sai mais leve, porque a música ajuda a colocar para fora aquilo que, às vezes, a gente nem sabe dizer em palavras. Você vai percebendo que os estudantes que chegam muito travados, até com dificuldade de falar, de se comunicar, a partir do tempo de permanência no Coral, eles vão se tornando mais comunicativos, vão ficando mais sensíveis”, afirma. 

Guilherme salienta, porém, que um dos grandes desafios, ainda, é a compreensão da arte como componente curricular de formação humana. “Nos 5C’s – consciente, competente, compassivo, comprometido e criativo -, o criativo não é somente a criatividade artística, mas a arte também ajuda em todas essas habilidades e competências da formação integral que buscamos.  O maior desafio é esse entendimento da arte como um conhecimento científico, e não só de dom.  A arte, infelizmente, é vista como uma subcategoria, mas, na verdade, é tão importante do que muitas áreas de conhecimento, porque já tem vários experimentos mostrando que a arte, e principalmente a música, são elementos que conseguem ativar todo o cérebro, evitam doenças degenerativas e promovem sinapses cerebrais que a ciência ainda não consegue explicar”, pontua.

Ensino do Ukulele

Em Teresina (PI), o Colégio Diocesano vem desenvolvendo um projeto com a Educação Infantil que une a música ao desenvolvimento cerebral das crianças, com foco especial no ensino do ukulele. A prática musical pode estimular o cérebro e contribuir para o aprendizado e o desenvolvimento dos alunos, trazendo benefícios na esfera cognitiva e no bem-estar emocional. 

Com o ukulele, um instrumento de fácil acesso e manuseio para os pequenos, eles aprendem mais do que simples acordes e melodias: eles desenvolvem habilidades importantes, como a coordenação motora, a memória e a concentração “Quando uma criança aprende a tocar um instrumento como o ukulele, ela não está apenas desenvolvendo uma habilidade artística, mas também estimulando várias partes do cérebro ao mesmo tempo. Isso pode ter impactos muito positivos no aprendizado em outras áreas, como a matemática e a linguagem”, destaca o professor Fernando Muniz, responsável pelo projeto.

Vidrofone, o xilofone com garrafas de vidro

As turmas do 2º ano do Ensino Fundamental do Colégio Catarinense, em Florianópolis (SC), construíram um Vidrofone, também conhecido como “Xilofone com Garrafas de Vidro”, para reforçar a importância da reutilização de materiais disponíveis no Laboratório de Ecologia da instituição e estimular a consciência ambiental.

Foram utilizadas sete garrafas de vidro, preenchidas com diferentes volumes de água e corantes para deixar o instrumento colorido. Cada nota musical possuía uma cor diferente.  A afinação  expressa as notas musicais DÓ, RÉ, MI, FÁ, SOL, LÁ e SI, por meio da vibração do som na água e nas paredes de vidro das sete garrafas. A atividade permitiu que as crianças desenvolvessem a percepção sonora, compreendessem o conceito de altura (sons graves e agudos), e trabalhassem a experimentação, a criatividade e a coordenação motora.  “Usar a música em sala de aula é uma excelente ferramenta para atrair a atenção dos alunos.  Quando uma criança ouve ou cria uma música, ela desenvolve a memória, a atenção e a concentração. Também ajuda a melhorar o vocabulário, a articulação e a compreensão auditiva. Além de permitir que explore sua criatividade, compondo, improvisando ou interpretando diferentes sons e ritmos”, avalia a professora Juliana Sens.

Musicalização na Educação Infantil

A Escola Nhá Chica, em Montes Claros (MG), propõe um enfoque ainda maior no Campo de Experiências Traços, sons, cores e formas. No Show de Talentos, os pequenos cantam ou demonstram os seus dons de forma espontânea para os demais colegas. A atividade permite que as crianças tenham empatia pelos outros, percebendo que as pessoas têm diferentes sentimentos, necessidades e maneiras de pensar e agir.

Para relacionar som, movimento, gesticulação e canto, as turmas do Maternal III assistiram ao clipe da música Bicho de Bocão, do grupo Pé de Sonho.  Depois de falarem sobre os bichos da música e brincarem de imitá-los com som e gestos, as crianças utilizaram materiais recicláveis, como tampinhas de garrafa e retalhos de EVA, para montar um bicho com um “bocão”. “Acreditamos que a música proporciona aos nossos alunos experiências que abrangem todas as dimensões, pois é com ela que começam a aprender os nomes dos colegas, as emoções e diversas outras habilidades, como apreciar a arte e a cultura dos demais”, explica a diretora da instituição, Leila Amorim.

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