Artigo: “Tempo para pensar e ócio criativo em meio à cultura do ‘urgentismo'”

Por Janilson Orrico, coordenador de Gestão de Pessoas do Colégio Antônio Vieira, em Salvador (BA), e mestrando em Gestão Escolar. 


Vivemos em uma era marcada pela busca incessante por resultados imediatos e produtividade constante. As demandas da sociedade contemporânea, muitas vezes definidas pela urgência e pressão por desempenho, nos afastam de momentos de pausa, reflexão e contemplação. Nessa lógica, o tempo para pensar e o “ócio criativo” se tornam raridades em um mundo que privilegia a produção contínua numa sociedade do desempenho. Esta reflexão, contudo, vai na contramão de pensadores que destacam a importância de momentos de pausa e introspecção para o desenvolvimento humano, como Friedrich Nietzsche, que defendia o valor do ócio como uma forma de resistência à sociedade do trabalho. A prática não apenas contribui para a criatividade e inovação, mas também para a saúde mental e emocional dos indivíduos.

Faz-se cada vez mais necessário nos tempos atuais estar atento à importância do tempo para pensar e à relevância do ócio criativo como contraponto à cultura da urgência e do imediatismo. Leo Fraiman, psicoterapeuta e educador, aborda em seu livro A Síndrome do Imperador a “cultura da urgência” como um fenômeno contemporâneo que reflete a obsessão pela impulsividade e imediatismo, como se vivêssemos em constante ansiedade e histeria. 

Fraiman nos ensina que a cultura da urgência promove a ideia de que tudo deve ser feito rapidamente, sem espaço para as reflexões, planejamento ou descanso. “Quando tudo é urgente, nada se mostra importante”. Ele discute como essa cultura, que denomino “urgentismo”, afeta as pessoas de maneira prejudicial, tanto no nível pessoal quanto profissional, ao gerar ansiedade, estresse e uma constante sensação de culpa por estar no estado do ócio criativo.

A filosofia do ócio

Friedrich Nietzsche foi um dos grandes críticos da modernidade e suas imposições. Para ele, a sociedade contemporânea sobrevalorizava o trabalho e ignorava o papel essencial do ócio. Em sua visão, o ócio criativo – diferenciado do simples “não fazer nada” – era uma oportunidade para o indivíduo se reconectar consigo mesmo, explorar ideias, criar e desenvolver novas perspectivas. Nietzsche via o ócio como um espaço necessário para proteger o ser humano do excesso de trabalho e da alienação, ressaltando que, ao eliminar o tempo para pensar e refletir, a vida perde o seu sentido.

A sociedade moderna, segundo o filósofo, estava impregnada na ideia de que a virtude do trabalho era o principal valor, o que resultava em uma desconexão com a dimensão contemplativa da existência. O ócio, longe de ser visto como algo negativo, poderia ser a chave para uma vida mais plena e significativa. Essa visão é reiterada por autores contemporâneos que destacam a importância do ócio criativo, o qual, diferentemente da inatividade, é produtivo ao permitir momentos de criação e inovação.

O ócio criativo

O sociólogo italiano Domenico De Masi introduziu o conceito de “ócio criativo”, que vai além da simples ideia de descanso. Para ele, o ócio criativo é o momento em que os indivíduos se dedicam a atividades que, embora não relacionadas diretamente ao trabalho, estimulam a criatividade e permitem a emergência de novas ideias. Ele defende que o tempo dedicado a atividades como ouvir música, assistir a filmes ou conviver com a família é também precioso, pois elas são fonte de inspiração e inovação.

Ainda segundo De Masi, o verdadeiro ócio criativo permite ao indivíduo encontrar um equilíbrio entre trabalho, lazer e aprendizado. A partir dessa perspectiva, o ócio se torna uma ferramenta essencial para o desenvolvimento humano, sendo um antídoto contra a tendência moderna da urgência e imersão constante em tarefas. A falta de tempo para o ócio pode resultar em esgotamento, perda de produtividade e de criatividade, conforme destacam diversos estudos sobre a Síndrome de Burnout.

A sociedade de desempenho e o imediatismo

Vivemos, atualmente, em uma sociedade que valoriza o desempenho e a entrega de resultados a qualquer custo. O filósofo Byung-Chul Han, por exemplo, discute em sua obra A Sociedade do Cansaço a transição de uma sociedade disciplinar para uma sociedade de desempenho, na qual os indivíduos são pressionados a se autocontrolar e autoexplorar. A busca incessante por resultados e a valorização do imediatismo tornam o descanso e a pausa quase impossíveis, pois, como Han sugere, “na sociedade do desempenho, somos explorados por nós mesmos”.

Nessa lógica, o tempo para pensar e refletir é visto como desperdício, uma culpa interna, e o ritmo acelerado transforma o cotidiano em uma sucessão de urgências. As consequências são perceptíveis: aumento dos níveis de estresse, ansiedade e outros transtornos mentais, o que evidencia a importância de repensarmos a maneira como administramos nosso tempo e como equilibramos trabalho e lazer.

A importância do tempo para pensar

O tempo para pensar, refletir e se desconectar das tarefas do dia a dia é fundamental para o bem-estar e a saúde mental. A pausa criativa não apenas contribui para o descanso do corpo e da mente, mas também permite o surgimento de novas ideias. O ócio criativo possibilita uma perspectiva renovada sobre questões que, muitas vezes, se perdem na correria do cotidiano. Ao nos dedicarmos a momentos de lazer que estimulam a imaginação, como o contato com a arte, a música e a natureza, ampliamos nossa capacidade de inovar.

Além disso, essa prática tem um impacto direto na qualidade do trabalho. Colaboradores que têm espaço para desenvolver suas ideias em momentos de pausa tendem a ser mais produtivos e a apresentar soluções mais criativas para os desafios. Nesse sentido, a incorporação de práticas de ócio criativo nas rotinas organizacionais pode ser vista como uma estratégia para aumentar o engajamento e a produtividade.

Em um mundo que exige cada vez mais rapidez e produtividade, o “tempo para pensar” se torna imperativo para a preservação da saúde mental e emocional, bem como para o fomento da inovação. Ao contrário do que muitas vezes se pensa, o ócio criativo não é improdutivo; ele é, na verdade, uma das chaves para o desenvolvimento de novas ideias, soluções e estratégias.

Sentir e saborear 

Santo Inácio nos leva a refletir e cultivar uma postura de escuta interior, priorizando a qualidade das vivências sobre a quantidade de informações. “Não é o muito saber que sacia e satisfaz a alma, mas o sentir e saborear internamente as coisas”.

Somos chamados por Santo Inácio a encontrar, no silêncio e na contemplação, as respostas para os desafios da vida. A pausa nos ajuda a olhar a vida como um caminho e um momento para sair do cotidiano, possibilitando reflexões e soluções criativas para a nossa missão.

Imagens: Secom/CAV, banco de imagens e Lacma (reprodução Santo Inácio Domenichino).

Fonte: Colégio Antônio Vieira

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