Por Paulo Conversi, coordenador do Observatório Laudato si’ da Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma)
Laudato si’ (LS) de 2015, que o Papa Francisco dedica ao cuidado da nossa casa comum. Associar ecologia integral com o cuidado da casa comum nos envia ao significado etimológico do substantivo “ecologia”. Derivado das palavras gregas “oikos”, “casa” e “logos”, “estudo, reflexão.” Nesta perspectiva, a ecologia deve ser entendida não tanto como uma disciplina dentro das ciências naturais, como costumamos entender referindo-nos, por exemplo, para o estudo dos ecossistemas, mas como algo mais amplo que aborda também as diferentes relações dentro da nossa casa comum.
Relações que começam na base que “tudo está interligado” e que deve ser realizado de forma responsável, especialmente por quem pode exercê-lo: o ser humano. Ao fazer parte de uma única família humana independente, as decisões e o comportamento de um dos seus membros têm profundas consequências para os outros, especialmente para os mais vulneráveis.
Com o conceito de “ecologia integral”, o Papa Francisco pretende propor uma nova visão e uma nova abordagem baseada numa mudança da perspectiva de:
1) destacar a inseparabilidade “da preocupação com a natureza, justiça para os pobres, compromisso com a sociedade e a paz interior» (LS, 10);
2) «recuperar os diferentes níveis de equilíbrio ecológico: o interior, consigo mesmo; o solidário, com os outros; o natural, com todos os seres vivos; o espiritual, com Deus” (LS, 210);
3) tomar consciência da responsabilidade do ser humano, de cada um de nós, em direção a si mesmo, para com o próximo, para com sociedade, rumo à criação e rumo ao Criador.
Essa mudança de perspectiva, resultado de uma consciência progressiva, aponta para a necessidade de um novo paradigma econômico, ambiental e social mais resiliente e integrativo: esta é a grande aposta que é, na verdade, uma revolução cultural que trará uma mudança nos hábitos de vida, sobretudo ao nível individual. Esta “reorientação” deve girar em torno de três “faróis de consciência”, que parecem escassos: a consciência de uma origem comum, de uma pertença mútua e um futuro compartilhado por todos, iluminado através destas luzes, é possível promover novas atitudes e estilos de vida.
A perspectiva que deve ser adotada é necessariamente global, mas deve ser implementada a partir da dimensão local: é necessário partir do que é pequeno, dos hábitos diários, dos pequenos gestos do dia a dia. A implementação em escala global e local da ecologia correta abrangente é essencial para enfrentar eficazmente as causas da crise atual ético-socioambiental: enfrentamos um problema cultural, espiritual e educacional, que revela a necessidade de uma “mudança de rumo”: sair da cultura descartável que nossa sociedade está imbuída para uma cultura do cuidado: cuidar de si mesmo, outros (próximos ou distante no espaço e no tempo), e do meio ambiente.
Para que a ecologia integral seja realmente um motor de desenvolvimento inovador e sustentável, é necessário colocar em prática o mandamento bíblico de “cultivar e cuidar da nossa casa comum (cf. Gn. 2.15). Tratam-se de duas ações intimamente relacionadas que afetam não somente o ambiente natural, mas também a todos que o habitam e o compartilham com a gente, agora e no futuro. «Isto implica uma relação de reciprocidade responsável entre os seres humanos e a natureza” (LS, 67), que só pode reverter também em uma maior atenção e sensibilidade em relação às “pessoas” que vivem mais afetadas pelas mudanças sociais e ambientais. Durante muito tempo, essa sensação de “responsabilidade” tem estado ausente em nossas sociedades e nossa cultura. Crescer com consciência dessa responsabilidade é a melhor maneira de enfrentar a atual crise de sustentabilidade.
A revolução da ecologia integral que se anuncia não terá menos consequências planetárias do que a causada nos últimos dois séculos pelas revoluções industriais que ocorreram desde meados do século XVIII. Francisco afirma que “a humanidade ainda tem a capacidade de colaborar para construir nossa casa comum» (LS, 13). Tudo isso nos leva a “reconhecer a grandeza, a urgência e a beleza do desafio que nos apresenta” (LS, 15): “enquanto a humanidade do período pós-industrial pode ser lembrada como uma das mais irresponsáveis da história, é de se esperar que a humanidade início do século 21 pode ser lembrada por ter assumido a generosidade das suas graves responsabilidades” (LS, 165).
* Artigo publicado no Boletim de outubro de 2024 do Centro Virtual de Pedagogia Inaciana (CVPI), da Conferência dos Provinciais da América Latina e do Caribe (Cpal) da Companhia de Jesus.