A Rede Jesuíta de Educação (RJE) está comprometida em formar cidadãos conscientes, competentes, criativos, compassivos e comprometidos. Nesse cenário de transformações aceleradas pela tecnologia, a Inteligência Artificial se apresenta como uma ferramenta poderosa, mas que exige discernimento. As diretrizes da Companhia de Jesus sobre o uso da tecnologia, embora não formalizadas em um documento, orientam que a tecnologia deve ser empregada para atender às demandas da missão, utilizando-a no cuidado com a Casa Comum, na promoção da justiça socioambiental e no desenvolvimento integral da pessoa. “Ao direcionarmos nossos esforços para a transformação digital, seguimos no compromisso de manter as pessoas no centro de todo o processo. Assim, buscamos garantir que a tecnologia seja utilizada para valorizar e potencializar o desenvolvimento humano, fortalecendo o compromisso com a transformação social através da formação e da inovação”, afirma Fernanda Bonotto, coordenadora de informática da TI Corporativa da Província dos Jesuítas do Brasil.
Fernanda ressalta que o uso da Inteligência Artificial na educação deve ser incorporado de forma contínua, com responsabilidade e ética. “A IA permite a personalização da aprendizagem, adaptando conteúdos de acordo com os estilos e necessidades dos estudantes. Isso promove maior engajamento e eficiência no processo de ensino-aprendizagem. Mas é fundamental lembrar que essa tecnologia não substitui o papel do professor, que continua sendo essencial para o desenvolvimento humano, emocional e social dos alunos”, explica. Ela destaca, ainda, dois grandes desafios: a formação docente e a privacidade dos dados. “Os professores precisam ser capacitados não apenas tecnicamente, mas também no entendimento das implicações pedagógicas e éticas das ferramentas. E os dados dos estudantes devem ser rigorosamente protegidos, em respeito à legislação e aos princípios de proteção à infância e juventude”.
Para Yann Spinelli, professor de Biologia e analista de Tecnologia Educacional do Colégio Santo Inácio, no Rio de Janeiro (RJ), a IA pode ser uma aliada estratégica para promover práticas pedagógicas mais inclusivas, criativas e centradas no estudante. Ele aponta o uso da IA na personalização de atividades, nos tutores inteligentes e no apoio à acessibilidade como exemplos concretos de aplicação em sala de aula. “Hoje em dia, a formação contínua se tornou absolutamente necessária, especialmente considerando a velocidade com que a IA evolui. Nosso grande desafio, como educadores jesuítas, é abraçar essa transformação tecnológica com discernimento, com responsabilidade e com entusiasmo, sempre alinhados aos valores inacianos”, pontua.
Esse compromisso com o discernimento é também enfatizado por Alexandre Ribeiro Martins, professor de Filosofia e orientador de Inovação de Aprendizagens no Colégio Medianeira, em Curitiba (PR). Para ele, o impacto das novas tecnologias remete a momentos históricos em que a sociedade reagiu com receio a inovações disruptivas. “Mais uma vez, vem à tona a discussão sobre como uma nova tecnologia ‘invade’ um espaço que até então mantinha-se seguro dentro dos seus limites”, afirma. Ao situar a IA no contexto da educação jesuíta, ele propõe uma reflexão crítica e propositiva. “A tecnologia não é um fim — ela precisa ser um meio para o alcance de um projeto de sociedade mais justo e inclusivo”.
Na perspectiva da infraestrutura e do uso institucional da tecnologia, Wilson Martins Junior, gerente de TI do Colégio São Luís, em São Paulo (SP), compartilha avanços e desafios enfrentados na implementação da IA. Entre os principais benefícios observados, ele destaca a ampliação do repertório de pesquisa, o estímulo à curiosidade e autonomia investigativa, o apoio à personalização do aprendizado e a inclusão de estudantes com necessidades específicas, por meio de recursos de acessibilidade. Segundo ele, o uso da IA só fortalece o pensamento crítico e a autonomia dos estudantes quando há intenção pedagógica clara. “Tomamos cuidado para que a IA seja fonte de pesquisa, nunca substituta da produção intelectual do aluno. Reforçamos a importância da autoria, da argumentação própria e da ética digital. O processo formativo precisa valorizar o confronto de ideias e a validação das informações sugeridas pela IA”, complementa.
Boas práticas no uso da IA
Nas unidades da RJE, os educadores têm buscado caminhos concretos para incorporar a IA ao cotidiano escolar de maneira crítica e criativa, sempre com foco no desenvolvimento integral dos estudantes. O Colégio São Luís incorporou ao Programa de Cultura Digital formações continuadas sobre Inteligência Artificial. Em paralelo, algumas áreas administrativas estão participando de um projeto-piloto do Microsoft Copilot para geração assistida de conteúdos no Word, criação rápida de apresentações no Power Point, análise de dados no Excel com insights automatizados, sugestões inteligentes de e-mails no Outlook e resumos de reuniões e extração de tarefas no Teams.
No Colégio dos Jesuítas, em Juiz de Fora (MG), o professor de História Filipe Queiroz de Campos utilizou o ChatGPT para propor um desafio aos estudantes: relacionar a Crise de 1929 ao conceito de Ecologia Integral, tema da Campanha da Fraternidade de 2025. Os jovens precisaram questionar a IA sobre quais relações podem ser feitas entre os dois temas. Com as respostas, a tarefa era criticar, aprofundar e ir além do que foi apresentado pela máquina, exercitando seu espírito crítico. Eles identificaram os limites nas respostas do Chat e produziram suas próprias considerações. A atividade serviu de inspiração não apenas para pensar relações entre sustentabilidade e crises econômicas, mas, também, para investigar o próprio uso da inteligência artificial como ferramenta para a reflexão.
O Colégio Medianeira tem utilizado ferramentas de IA para o auxílio dos educadores na adaptação de materiais para os estudantes de inclusão. “Do diálogo entre o Serviço de Orientação Pedagógica de Inovação e Aprendizagem – sob minha responsabilidade – e o Centro de Inclusão do colégio, desenvolvemos a expertise de programar prompts em que a IA cruza os dados dos PEIs (Plano Educacional Individualizado), documento que responde às necessidades específicas de cada estudante de inclusão, com a avaliação produzida pelo professor e, a partir disso, sugere questões personalizadas a partir da especificidade de cada estudante. Esta interação não só otimiza o tempo do professor para realizar as adaptações, sem que isso sobreponha-se a sua função de autor e mediador dos processos avaliativos, como principalmente qualifica a aprendizagem que o próprio estudante de inclusão tem ao receber uma atividade que atenda de modo exclusivo à sua condição, explica Alexandre.
Já em sala de aula, Alexandre promoveu com os estudantes do Ensino Médio uma discussão sobre como funciona a Inteligência Artificial do TikTok. O docente explica que a IA da plataforma personaliza os vídeos de acordo com o perfil do usuário, o tempo em que ele assiste a cada vídeo, o conteúdo curtido, comentado e compartilhado, os perfis seguidos, as hashtags mais consumidas e até informações do dispositivo, como localização e lista de contatos. “Se há indiscutíveis potencialidades no uso das IAs em sala de aula, analisá-la sob uma perspectiva crítica também é fundamental para uma educação socialmente comprometida. Não se trata de subverter o questionamento inicial sobre como a IA pode ser utilizada para enriquecer a experiência de aprendizagem ao fortalecer o desenvolvimento de competências socioemocionais e o discernimento ético, mas de analisar como elas são utilizadas pelas grandes corporações e quais são os seus impactos nestes campos”, analisou.