Para Vilma Reyes, assistente de projetos curriculares da Federação Latino-Americana de Colégios da Companhia de Jesus (Flacsi), pensar a avaliação apenas como mensuração de conhecimento é uma limitação que fere a essência da proposta educativa inaciana. Nesta entrevista, ela reflete sobre os avanços e os desafios enfrentados pelos colégios jesuítas na América Latina na construção de práticas avaliativas mais humanizadas, significativas e formativas — que respeitem os ritmos pessoais, estimulem a reflexão crítica e fortaleçam a relação entre educador e educando.
Na sua opinião, quais são os principais desafios e avanços na forma como os colégios jesuítas na América Latina têm trabalhado a avaliação além das notas?
Eu não poderia responder a essa pergunta sem primeiro chamar a atenção para a necessidade de conceituar a avaliação dentro de um contexto inaciano. A avaliação revela a perspectiva educacional e política da escola, portanto, reduzi-la a processos de mensuração de conhecimento e atribuição de notas é míope e limitado, colocando-a em um nível de supervisão e orientação regulatória. Na América Latina, as redes de colégios jesuítas têm abordado a avaliação de acordo com o modelo pedagógico inaciano, que preconiza uma abordagem pessoal e humanizadora que integra as dimensões da pessoa e não apenas o acúmulo de conhecimento. A tríade experiência-reflexão-ação do Paradigma Pedagógico Inaciano (PPI) enfatiza a aprendizagem, não apenas o acúmulo de conhecimento. E, por outro lado, dá enorme valor à relação intersubjetiva que existe entre mestre e discípulo, entre outros, para colocar o aluno em contato com a verdade.
Principais desafios que gostaria de citar:
Superando a persistência de uma cultura de avaliação tradicional: as escolas estão enfrentando tensões decorrentes de exigências governamentais, onde a cultura de avaliação é centrada na classificação numérica, comparação e seleção dos melhores em rankings nacionais e internacionais. Essas pressões externas muitas vezes entram em conflito com as intenções formativas da avaliação baseada no carisma inaciano.
Tensões entre o inaciano e o padronizado: o ponto anterior cria uma tensão entre os valores da Pedagogia Inaciana (respeito ao processo de aprendizagem e ao ritmo pessoal, capacidade de reflexão e pausa, acompanhamento, foco na aprendizagem) e as exigências dos sistemas educacionais nacionais que priorizam resultados quantificáveis. Essa tensão muitas vezes limita a criatividade pedagógica em torno da avaliação.
Falta de critérios compartilhados sobre avaliação formativa que valorizem a educação inaciana: há um reconhecimento da necessidade de avaliar além da nota, mas nem sempre há estruturas claras que orientem práticas de avaliação consistentes entre os professores. Manter espaços reflexivos e formativos onde os resultados da aprendizagem dos alunos sejam analisados é um desafio, permitindo-nos melhorar gradualmente os processos de ensino e avaliação e garantir o progresso na aprendizagem dos alunos.
Desafios de suporte personalizado: a avaliação inaciana exige tempo e condições para o acompanhamento pessoal e reflexivo dos alunos, algo difícil de sustentar em contextos com alta carga horária, alto número de alunos por sala de aula e falta de tempo institucional para isso.
Inteligência artificial (IA): o advento da quinta Revolução Industrial traz novos desafios para a educação. Acredito que o papel do ensino está implicado na necessidade de mudança para incorporar ferramentas de IA em benefício de processos de aprendizagem exigentes e conhecimento mais articulado. Da mesma forma, a avaliação fica comprometida em termos de significado e escopo. Por exemplo, deve ser pensado como um instrumento que enfatiza a reflexão crítica em vez da cópia, a consciência pessoal em vez do conhecimento superficial e falso, o discernimento e o conhecimento sobre a informação (a autenticidade das próprias elaborações está em jogo).
Avanços significativos que observo:
– Os colégios jesuítas preocupam-se com a formação das suas equipas docentes, o que contribui para a tarefa de autocrítica e de melhoria contínua dos conceitos e da implementação da avaliação numa perspetiva humanística/inaciana.
– Dentro do sistema de avaliação escolar, a prática de autoavaliação e da avaliação por pares foi fortalecida. Várias escolas começaram a incluir processos sistemáticos de autoavaliação dos alunos e avaliação pelos colegas, em linha com a Pedagogia Inaciana, que promove a reflexão pessoal, o trabalho colaborativo entre colegas, o discernimento e a responsabilidade compartilhada pelo próprio aprendizado.
– A utilização de provas escritas foi substituída pela utilização de rubricas formativas com critérios de abrangência. Em projetos pastorais, projetos sociais e projetos de aprendizagem-serviço, bem como em áreas acadêmicas, são planejadas rubricas que integram dimensões atitudinais, espirituais e éticas, não apenas aquelas de natureza cognitiva. Isso permitiu avaliar não apenas os resultados da aprendizagem conceitual, mas também processos-chave que contribuem para a construção do conhecimento e dos projetos de vida.
– A implementação de instrumentos alinhados à educação inaciana, como o Mapa Integral de Aprendizagem ou o itinerário formativo, assim como os planos de áreas integradas, colaboram para uma avaliação com mudanças significativas muito importantes que integram o perfil de saída dos alunos na malha de conteúdos, o desenvolvimento dos 4Cs (consciente, competente, compassivo e comprometido), buscando avaliar o crescimento integral do aluno de acordo com a proposta educativa inaciana.
– Há, também, avaliações que incluem práticas reflexivas, diários espirituais, espaços para discernimento, exames inacianos, portfólios de aprendizagem e registros. Tudo isso constitui um firme compromisso com o desenvolvimento não apenas de alunos eficientes, mas também de indivíduos competentes e espirituais, a partir de suas perspectivas internas e socioemocionais.
Como a avaliação pode ser uma ferramenta de formação integral em contextos educacionais na América Latina?
A avaliação de uma perspectiva inaciana visa alcançar uma aprendizagem abrangente que capacite os alunos a se tornarem pessoas melhores, seres humanos melhores, com consciência, habilidades, compaixão e senso de comprometimento. Isso significa que a avaliação deve estimular as crianças a discernir, refletir e transformar não apenas seus processos cognitivos, mas também sua capacidade de introspecção, argumentação, produção de conhecimento e análise, para colocar tudo isso a serviço de si mesmas, dos outros e do seu ambiente.
É uma avaliação que enfatiza as possibilidades de uma aprendizagem mais abrangente e formativa e requer apoio significativo dos professores. Este último é o que torna a avaliação explícita ou não, seu caráter formativo. Se a avaliação contribui para uma formação integral, ela exige um professor sensível à observação, com capacidade de questionar e desafiar, mas também o coloca na posição de acompanhante dos processos educativos, ajudando a pensar, a despertar os processos de consciência e de interioridade. Com sua experiência e conhecimento, ele poderá promover atividades escolares para que as crianças adquiram as habilidades necessárias com base em seus talentos e sejam capazes de responder a muitos dos desafios de seu contexto social e cultural, como aquecimento global, violência, migração, pobreza e desigualdade, entre outros.
Como os princípios da Pedagogia Inaciana e da educação jesuíta podem inspirar práticas de avaliação mais humanizadas e significativas desde a infância?
Acredito que a primeira coisa que devemos priorizar são educadores formados nos valores da identidade jesuítica, pois sem eles é difícil inspirar práticas educativas baseadas nessa variável fundamental. E a avaliação é um aspecto sensível que explica a abordagem formativa que uma escola tem. Pode revelar uma perspectiva autoritária, de mensuração quantitativa, ou uma visão humanizadora, que respeita os processos humanos e seus ritmos como modos particulares de aprendizagem. Sem dúvida, questões como respeito às diferenças e programas em torno de políticas de inclusão são elementos necessários a serem abordados para que se possa considerar uma avaliação mais humana. Por isso, sugiro práticas alinhadas a um estilo de formação humanística como as seguintes:
Exame do dia ou Registro de reflexão pessoal: é um espaço escrito ou falado onde o aluno reflete sobre sua experiência de aprendizagem, implicando que ele expressa seu mundo afetivo em correspondência com o que está vivenciando em sua aprendizagem. Também destaca a expressão de sucessos e dificuldades e pode ser feito por meio de um diário pessoal ou de uma rubrica que promova o desenvolvimento das dimensões socioemocionais, éticas e cognitivas.
Espaços de diálogo para uma avaliação acompanhada: a conversa aberta e fraterna é um fator-chave na avaliação formativa; mesmo sem que o aluno saiba que está sendo avaliado. Além dos resultados, proporciona uma excelente oportunidade de aprender mais sobre o aluno, sua jornada, seus pontos fortes, dons e desafios, além de facilitar trocas diretas em um clima de confiança e camaradagem. Cura Personalis é um princípio maravilhoso para apoiar e cuidar de crianças, porque as ajuda a ver as coisas de uma forma mais holística e menos fragmentada. Se os alunos forem vistos como seres humanos em todas as suas dimensões, poderemos observar seus processos de vida e a partir daí desenvolver seus talentos como possibilidades. Esse tipo de avaliação pode ser feito por meio de entrevistas breves ou acompanhamentos periódicos com consultas prévias em um ambiente pessoal, onde a conversa seja lenta, sem pressa e em um ambiente mais coloquial.
Portfólios de aprendizagem de uma perspectiva abrangente: é um conjunto de atividades que demonstram o processo de aprendizagem abrangente alcançado em uma área ou projeto sociocomunitário-espiritual. O aluno acumula suas conquistas naquelas atividades-chave que explicam os processos de aprendizagem necessários em um processo contínuo e que lhe permitem criar uma sequência ao longo de um ciclo ou unidade. Como é avaliado? Com rubricas que avaliam progresso, reflexão, integração de conhecimento e significado pessoal. O valor inaciano que isso implica é o foco na excelência humana.
Projetos transversais que envolvam a integralidade como áreas do conhecimento: essas experiências metodológicas, mas também sua abordagem holística, exigem um planejamento mais sistêmico, envolvendo a integração de conhecimentos para uma aprendizagem mais abrangente. A aprendizagem baseada em projetos combinada com o PPI garante um tipo de aprendizagem mais fundamentada no contexto e na realidade e envolve os alunos no trabalho individual e colaborativo. Isso facilita um tipo de avaliação formativa e processual que se adapta muito bem ao espírito inaciano.