Com 25 anos de atuação no Colégio Anchieta, em Porto Alegre (RS), Dário Schneider construiu uma trajetória marcada pelo compromisso com a excelência acadêmica e com a espiritualidade inaciana. Diretor acadêmico desde 2015, sua caminhada foi acompanhada por uma busca constante por formação e aprofundamento na missão educativa da Companhia de Jesus. Em sua tese de doutorado — Diálogo entre Tradição e Atualização: uma análise dos documentos orientadores da gestão da Educação Jesuíta no Brasil (1980–2019) —, Dário investiga como a liderança educativa inaciana se reinventa ao longo do tempo, sem perder sua essência. “Uma das grandes lições desses 25 anos de atuação no Colégio foi reconhecer, com profundidade, os traços da identidade da educação jesuítica e a força da cultura colaborativa entre jesuítas, leigos e leigas. Ao olhar para os 135 anos de história do Colégio, reconheço o legado dessa tradição, a paixão pela educação no presente e o horizonte de futuro, tríptico orientador e inspirador da missão em continuar ensinando a pensar com excelência”, destacou.
Confira a entrevista abaixo:
O que o motivou a trabalhar com esse tema?
A minha motivação para trabalhar com o tema Educação Jesuíta – Diálogo entre Tradição e Atualização: uma análise dos documentos orientadores da gestão educacional dos Colégios da Rede Jesuíta de Educação (1980 – 2019) nasceu de uma inquietação pessoal e profissional: como a tradição e a atualização da educação jesuíta podem dialogar com os desafios contemporâneos da gestão? Por ter um perfil mais pragmático, comecei revisitando minha própria trajetória de vida e de formação — especialmente minha vivência no Colégio Anchieta e os dez anos de caminhada da Rede Jesuíta de Educação (RJE) — e percebi que havia ali um fio condutor entre minha formação acadêmica, minha prática cotidiana e o desejo de buscar compreender como os documentos do apostolado educativo da Companhia de Jesus articulam pessoas, tempos e lugares com a tradição inaciana e a atualizam em práticas gestão educacional no contexto contemporâneo.
A pesquisa foi, para mim, um exercício de discernimento. Quis entender como o exercício da liderança e a prática da gestão educacional se estruturam nesse contexto, e como o binômio tradição-atualização se manifesta na prática da gestão de excelência. Nesse horizonte, busquei tematizar a colaboração entre jesuítas e leigos/leigas, que me pareceu um símbolo vivo dessa tradição e atualização, especialmente à luz dos documentos escolhidos para análise, considerando a temporalidade de 1980 a 2019. A partir da temática e desse recorte temporal e material, lancei um olhar atento para os processos de gestão educacional inaciana não apenas como um conceito, mas como uma prática viva, missão, visão, princípios e valores que exige competências técnicas, humanas e espirituais.
Assim, esta tese nasce do desejo de honrar a tradição viva da educação jesuíta, reconhecendo sua força histórica e espiritual, ao mesmo tempo em que busca, com rigor e afeto, lançar luz sobre os caminhos possíveis para uma gestão educacional que seja, ao mesmo tempo, fiel às raízes e aberta ao futuro. Trata-se de um gesto de escuta e de esperança, que pretende contribuir com a formação de lideranças inacianas comprometidas com a missão educativa da Companhia de Jesus no século XXI.
Quais mudanças ou permanências mais chamaram sua atenção entre 1980 e 2019 em relação à liderança educativa inaciana?
Ao analisar os documentos do apostolado educacional, o que mais me chamou atenção foi a permanência da liderança partilhada como expressão da colaboração de jesuítas e leigos/leigas na missão. Desde os anos 1980, com o texto Nossos Colégios Hoje e Amanhã, Pe. Arrupe, SJ, já explicitava o pensamento e verdadeiro desejo de integrar jesuítas e leigos/leigas na missão educativa. Essa permanência é, para mim, um sinal de fidelidade criativa e resposta à atualização da liderança na gestão educacional.
Por outro lado, as mudanças também percebidas como permanências significativas: a incorporação de tecnologias, a comunicação e cultura colaborativa em rede e a valorização de metodologias contemporâneas mostram como a gestão educacional na educação jesuíta se mantém viva no contexto do século XXI. Nas equipes diretivas, à luz da experiência de Inácio e os Primeiros Companheiros, percebo essa atualização na prática: decisões tomadas em conjunto, escuta ativa, e uma liderança colaborativa que se constrói no diálogo e na corresponsabilidade.
Ao revisitar esse percurso de quase quatro décadas, levou-me a compreender melhor que a liderança educativa inaciana é, antes de tudo, uma experiência viva de missão partilhada, que se reinventa sem perder sua essência. Este estudo, ao focar nesse recorte temporal e documental, busca não apenas compreender as transformações, mas também reconhecer a beleza da permanência: uma liderança que, enraizada na espiritualidade inaciana, continua a inspirar caminhos de discernimento, corresponsabilidade e esperança para a gestão educacional do nosso tempo.
Como a tradição inaciana contribui para formar lideranças – jesuítas e leigas – capazes de responder aos desafios da gestão educacional no século XXI?
A tradição inaciana oferece uma base sólida, mas não engessada. Elementos como discernimento, excelência, espiritualidade e serviço são pilares da tradição inaciana, que foram sendo atualizados com sensibilidade diante de cada época, por lideranças éticas, e comprometidas com a missão. A tradição e atualização da liderança inaciana e exercício da gestão educacional não se aprende apenas nos livros, têm como base a experiência. É no cotidiano das relações humanas do ambiente escolar, nas decisões difíceis, nas escutas atentas e nos momentos de oração e reflexão que essa liderança de jesuítas e leigos/leigas se fortalece e pode contribuir com uma entrega de educação de qualidade. A tradição nos dá o norte; a atualização nos dá os meios.
Neste diálogo entre tradição e atualização, compreendi que na formação de lideranças inacianas — jesuítas e leigas — a centralidade está em cultivar uma espiritualidade encarnada na prática cotidiana, onde o discernimento se torna método, a escuta se transforma em decisão e a missão educativa se renova no serviço. Com a tese, há um gesto de fidelidade criativa, buscando reconhecer, valorizar e iluminar os caminhos pelos quais a liderança inaciana continua a responder, com coragem e esperança, aos desafios da gestão educacional no século XXI.
Quais são os principais desafios e oportunidades para manter vivo o equilíbrio entre tradição e atualização nas escolas da RJE hoje?
O maior desafio, sem dúvida, é manter a essência inaciana viva sem cair no saudosismo ou na rigidez. A tradição não pode ser um peso, mas uma fonte de inspiração. E isso exige discernimento, sentir como “corpo apostólico”, com abertura ao novo e coragem para mudar o que precisa ser mudado.
Por outro lado, vejo uma grande oportunidade: formar lideranças inacianas que possam viver como peregrinos, de coração aberto, disponíveis para acolher os desafios e esperanças da missão que compartilhamos desde a educação. Que conheçam profundamente a espiritualidade inaciana, mas que também estejam abertas às transformações sociais, culturais e tecnológicas. A gestão educacional da RJE pode ser um espaço privilegiado para esse tipo de liderança — reflexiva, colaborativa e comprometida com a missão.
Ainda, no processo de construção da tese é possível perceber a paixão como critério de autenticidade da identidade da missão educativa da Companhia de Jesus. A paixão pela gestão como um elemento estruturante da liderança educativa na RJE. A paixão humana, nesse contexto, uma disposição interior que une técnica, espiritualidade e compromisso com a missão. É o que move o gestor inaciano a buscar a excelência com humildade e humanidade, a inovação com fidelidade à história, e o discernimento como coragem de caminhar juntos rumo ao futuro.
Portanto, a tradição e atualização da educação apontam para um chamado. Pois, hoje, diante dos desafios da educação no século XXI, com tantas mudanças, a complexidade social, a transformação digital e a pluralidade cultural, a gestão educacional exige releitura do legado, paixão pelo presente e esperança diante do futuro. É essa paixão, nutrida pelo discernimento, pela escuta ativa e pela corresponsabilidade que sustenta o diálogo fecundo entre tradição e atualização, entre raízes que ancoram e frutos que projetam o futuro.
Agradeço a todos os jesuítas e leigos/leigas que, com generosidade e compromisso, partilham da missão educativa da Companhia de Jesus na RJE. Que esta caminhada de estudo e discernimento possa inspirar outros educadores e gestores a seguirem com paixão, coragem e esperança, mantendo viva a chama da tradição inaciana e abrindo caminhos para uma educação que transforma, humaniza e projeta o futuro cheio de esperança.