Por trás de cada estudante, professor ou colaborador, há uma história marcada por sentimentos, limites, angústias e afetos. Em tempos de crescente adoecimento emocional, promover a saúde mental no ambiente escolar é fundamental. Para o professor Sérgio Silveira, diretor-geral do Colégio Antônio Vieira, em Salvador (BA), a escuta e o acolhimento precisam ser vividos de forma concreta no cotidiano escolar. “Penso que a saúde mental e o cuidado deixaram de ser temas periféricos e hoje são temas centrais na missão educativa. Entendo, também, que uma escola que forma para a vida, ela precisa ser, antes de tudo, um espaço seguro, um espaço de vínculos, de acolhimento — e isso vale tanto para os nossos estudantes quanto para os nossos colaboradores também”, afirma.
Ele ressalta que essa atenção se expressa em iniciativas e recorda da escuta realizada com colaboradores de todos os setores e estudantes do Vieira. “Foram momentos extremamente ricos e importantes para entender como eles estão, como estão vendo a nossa escola e que contribuições eles podem dar para que a gente possa melhorar ainda mais o nosso ambiente”, conta. A realidade dos jovens de hoje, marcada por pressões acadêmicas, redes sociais e incertezas, somada à sobrecarga emocional dos educadores, impõe desafios urgentes. A escola, embora não substitua os profissionais da saúde mental, pode e deve ser uma ponte. “A gente pode ser um espaço onde as dores são percebidas em tempo, onde a escuta é qualificada, onde o aluno e educador se sentem vistos.”
Essas inquietações também motivaram a psicóloga Ijaiza Maria Benvindo da Paz Marques, da Escola Padre Arrupe, em Teresina (PI), a investigar a saúde mental dos docentes em escolas filantrópicas da Rede Jesuíta de Educação. “A pandemia trouxe à tona a importância do cuidado com a saúde mental. A educação foi um dos setores prejudicados devido ao fechamento das escolas, afastamento do trabalho e isolamento social. Ao retornarmos às atividades laborais presenciais, percebi o adoecimento psíquico de alguns educadores docentes. Muitos sintomas tornaram-se evidentes nesse processo de adoecimento, tais como: ansiedade, medo excessivo, angústia e excesso de preocupação. Diante dessa nova realidade, busquei ouvi-los e, consequentemente, muitas inquietações surgiram sobre como a saúde mental fragilizada (adoecida) do docente pode ou não interferir no processo de ensino do aluno.”
Ijaiza enfatiza que “a gestão da saúde mental é fundamental para o bem-estar dos professores, o que tem um impacto direto na qualidade do ensino”. Entre as estratégias eficazes para minimizar o adoecimento psíquico, ela aponta “a promoção de uma cultura escolar que valorize o bem-estar e incentive relações interpessoais positivas”, além de programas de aconselhamento, apoio mútuo entre colegas e formação em habilidades de resiliência. “É imprescindível que o cuidado com a saúde mental seja desmistificado, ou seja, precisamos falar sobre saúde mental de forma natural, sem preconceito ou discriminação.”
Na vivência da Escola Padre Arrupe, a prática confirma a teoria. “Aqui temos a prática do cuidado, do diálogo e do respeito com o outro. Portanto, a pesquisa apontou que nosso trabalho contribui na prevenção do adoecimento mental”, afirma. A atuação do setor de Psicologia é central nesse processo. “Docentes e demais educadores entendem que o setor é um espaço de escuta, orientação e até mesmo de encaminhamentos para outros profissionais especializados. Neste sentido, trabalhamos por um clima de relações em que os educadores possam expressar o que sentem — seja para um profissional especializado, seja uns para com os outros, contanto que a confiança mútua permita.”
E é nesse sentido que o Colégio dos Jesuítas, em Juiz de Fora (MG), prepara o III Seminário do Jesuítas: Educação e Saúde Mental, nos dias 19 e 20 de setembro (clique aqui para saber mais). “Vivemos em uma sociedade adoecida, na qual se tornou essencial discutirmos ferramentas e mecanismos para mantermos as relações saudáveis dentro e fora das escolas”, analisa o diretor-geral do Colégio, professor Edelves Luna, reforçando que o papel da escola é o de oferecer suporte sem ultrapassar sua missão pedagógica e formativa. “Se a escola se atrever a fazer algo diferente, assumindo o papel da família ou de profissionais de saúde, gerará frustrações. A escuta e o apoio na educação devem ser feitos num espaço de atividades intencionais, que visam à formação integral. É necessário pensar nos múltiplos espaços e nos muitos sujeitos que compõem o ambiente escolar, favorecendo um ecossistema que age em favor do bem-estar de todos. Um exercício dentro da sala de aula pode ser oportunidade para escutar e apoiar o jovem, assim como uma partida esportiva ou uma atividade espiritual-religiosa.”
A formação integral inclui, também, o cuidado com a dimensão espiritual, uma marca da tradição inaciana. “A espiritualidade inaciana oferece uma receita saudável para esse tempo de adoecimento social, pois percebe e valoriza tanto a individualidade quanto a coletividade. Quando pensamos na máxima de Santo Inácio, em tudo amar e servir, entendemos que a vida é feita de ação e sentimento, e isso deve nortear o processo de aprendizagem”, diz.
No Colégio Anchieta, em Nova Friburgo (RJ), esse cuidado se concretiza em ações cotidianas. A orientadora educacional Hellena Alves Jacone frisa a importância da escuta ativa como ferramenta de prevenção. “No nosso dia a dia, ela acontece de forma espontânea e intencional, tanto nas relações com os alunos quanto com famílias e educadores. O reconhecimento e a legitimação das experiências emocionais são caminhos fundamentais para a promoção da saúde mental e para a construção de um ambiente escolar mais humano e sensível”, comenta.
Ela explica que, no contexto escolar, sinais como isolamento repentino, irritabilidade, queda no rendimento, dificuldades de concentração, alterações no sono e na alimentação, ou mudanças bruscas de comportamento, podem indicar que um aluno está enfrentando dificuldades emocionais. “A partir dessas observações, iniciamos um processo de acolhimento individualizado, envolvendo escuta qualificada, diálogo com a família e, quando necessário, encaminhamentos para profissionais especializados. Também promovemos assembleias com os alunos como forma de dar voz às suas vivências e fortalecer o protagonismo juvenil, gerando sentido e vínculo com o próprio projeto de vida. Nossas ações visam construir um ambiente de confiança e pertencimento, em que os alunos se sintam seguros para expressar suas emoções e buscar apoio”, pontua.
Os educadores também participam de ações que promovem o bem-estar. Antes de cada reunião pedagógica, há os Momentos de Pausa Inaciano, com foco na interioridade, no silêncio e na reflexão sobre a vida pessoal e profissional. O Serviço de Orientação Educacional (SOE) também fica disponível para a escuta dos docentes, que buscam apoio diante dos desafios emocionais ou pedagógicos, e os psicólogos atuam diretamente no Projeto Docente Magis. “Esse momento é construído a partir das observações de aula, das avaliações dos alunos e da autoavaliação docente, e é contextualizado com as vivências e o momento de vida de cada professor. Trata-se de uma escuta qualificada e formativa que reconhece o educador em sua totalidade, favorecendo o desenvolvimento integral, em sintonia com a proposta da cura personalis”, conta Hellena.
A profissional destaca, também, os retiros espirituais inspirados nos Exercícios de Santo Inácio, promovidos pelo Setor de Formação Cristã, o Book Club — espaço de partilha entre colaboradores sobre leituras realizadas — e os momentos de confraternização ao longo do ano, que fortalecem o espírito de comunidade. Já com as famílias, é realizado um encontro formativo no início de cada ano letivo, com temas que abordam saúde mental, redes sociais, organização da rotina e desenvolvimento da autonomia. O Comitê do Cuidado com a Criança e o Adolescente também atua com foco na formação da comunidade educativa, especialmente professores e colaboradores, com o objetivo de proteger os alunos em situações de violência e de desenvolver uma cultura de atenção e cuidado. “Acreditamos que quando escola e família caminham em parceria, o aluno se sente reconhecido, cuidado e encorajado a desenvolver-se de forma integral, em um ambiente de confiança e segurança afetiva”, analisa.
O cuidado com a pessoa é um dos valores da Rede Jesuíta de Educação (RJE). Cuidar é um gesto intencional que nasce da escuta, se fortalece nos vínculos e se concretiza na formação integral de cada pessoa. “O cuidado começa no cotidiano, em uma conversa no corredor, no olhar atento, num gesto de presença, esse gesto qualificado de acolhimento, isso muitas vezes faz toda a diferença. É importante que toda a comunidade se sinta uma comunidade que acolhe, uma comunidade que escuta”, recomenda Sérgio.