Por Alessandra Aparecida Custodio, gerente do Centro MAGIS Anchietanum, em São Paulo (SP)
Audacioso e vibrante, o jovem Inácio carregava nos olhos o brilho de quem enxergava além do instante. Não se limitava ao primeiro passo. Projetava caminhos, sonhava horizontes e moldava o futuro com a ousadia de quem acredita no impossível. Essa capacidade estava inteiramente ligada à sua experiência com Deus, uma experiência que abriu novos horizontes, fazendo enxergar para além dos próprios limites, e abrindo-se uma vez mais ao conhecimento de si mesmo e do outro.
Não teve medo, encontrou em Deus um amigo, “amigos do senhor”, era a expressão que usava para mostrar a centralidade da Eucaristia e a importância da comunicação na vida da Companhia de Jesus (SOSA, Arturo. A caminho com Inácio). Durante o longo tempo de convalescença, após ser atingido por uma bala de canhão, o cavaleiro, antes movido apenas pela fúria da batalha e pelo peso da armadura, agora se via despido de tudo, exceto de si mesmo.
Na dor e no silêncio, ele começou a perceber que a verdadeira guerra não era travada no campo, mas dentro de si mesmo. E foi nesse vazio, onde a esperança parecia ter se calado, que algo sussurrou. Não com palavras, mas com presença. O transcendente, este que muitos ainda desconhecem, já o abraçava muito antes da queda. Estava ali, nas pequenas escolhas, nos encontros aparentemente fúteis, na família que o acolhia e nas gentilezas tão invisíveis que a própria vida lhe oferecia.
Agora, prostrado diante de si mesmo, o pequeno cavaleiro compreendia: não era a força da espada que o sustentava, mas a mão invisível que o guiava mesmo quando ele não via. E nesse instante de clareza, entre a dor e a revelação, ele deixou de ser apenas um guerreiro e tornou-se um peregrino. Sentiu dentro de si um ímpeto que o levou a conversão, sentiu dentro de si a coragem de uma mudança de vida, e aquilo que outrora não havia significado algum, passou a ser seu maior desejo e busca interior.
É próprio da juventude o desejo ardente de transformar sonhos em realidade. Como um viajante que parte rumo ao desconhecido, os e as jovens trilham novos caminhos movidos por uma inquietação interior, uma sede de sentido, de propósito, de algo que transcende o imediato. Buscam não apenas conquistas externas, mas uma realização profunda, íntima, que lhe dê motivos para acreditar que a vida vale a pena ser vivida em sua plenitude.
Essa jornada não é solitária. Ao descobrir-se, o jovem percebe que sua existência está entrelaçada à dos outros. Comprometer-se consigo mesmo é também comprometer-se com o mundo, com a dor e a beleza que o cerca. É nesse encontro entre o eu e o outro que nascem os verdadeiros significados da vida, aqueles que não se apagam com o tempo, mas se fortalecem com a experiência.
A juventude, então, não é apenas uma fase da vida. As juventudes são protagonistas da transformação de si, dos outros e do mundo. Nutrem a coragem em seu coração para sonhar alto, a força para agir com propósito e a sensibilidade para enxergar no outro um reflexo da própria humanidade. É nesse movimento que a vida ganha cor, direção e sentido.
A vida de Inácio foi mesmo assim, passou a ter um sentido maior, uma nova cor, como São Paulo que ao cair do cavalo (cf. At.9, 4) perde a própria luz para obter a maior LUZ, cai por terra para perceber sua pequenez e a grandeza Daquele que o ama verdadeiramente. A conversão, como diz Padre Arturo Sosa, “nunca se dá em um único golpe, com um raio. Trata-se de um processo que dura a vida toda” (Santo Inácio de Loyola. Converter-se em peregrino. p.27).
Já diziam os poetas: “a vida é um eterno começar…”. Um recomeço diário, silencioso ou ruidoso, mas sempre cheio de possibilidades. É como uma peregrinação na linguagem inaciana, onde cada passo é convite à escuta, ao discernimento e à entrega. Viver é pôr-se a caminho, não apenas mover-se no espaço, mas deixar-se mover por dentro.
É permitir que o coração se abra ao novo, ao inesperado, ao que Deus sussurra nas entrelinhas do cotidiano. É caminhar com leveza, mesmo quando os pés pesam, confiando que há sentido mesmo na incerteza.
Ser peregrino é colocar-se na dinâmica de ser guiado, acompanhado e formado no caminho e pelo próprio caminho. O Peregrino reconhece que não está só, que há uma Presença que o precede, o sustenta e o envia. Vive com os olhos atentos e o coração disponível, prontos para acolher as surpresas da graça.
Não tenhamos medo, coragem! Jesus, o primeiro a nos encorajar diante da vida, nos impulsiona a buscar sempre mais – magis. Papa Francisco ao se dirigir à juventude também fez ecoar a voz de Jesus no tempo, CORAGEM! Ao olhar para o jovem Inácio de Loyola nos sentimos encorajados a peregrinar em nós mesmos e caminhar em busca de um sentido maior, que responda uma vez mais ao ardor do nosso coração, cada um cada uma é convidado(a) a experimentar esse processo contínuo em nosso interior, e aos poucos vamos tomando consciência de coisas que antes não tínhamos e que adquirimos ao passar por um momento forte em nosso caminho e que nos levou a alguma mudança. Mesmo que seja pequena, mas já foi uma mudança.
A audácia nasce sempre desse desejo inquieto de busca, dessa fome insaciável por novidade. É ela que nos move para além do conhecido, que nos empurra para fora das margens seguras do habitual. Audácia é o impulso que desafia o conforto, que transforma o medo em curiosidade e o limite em possibilidade. É no desejo de descobrir o que ainda não foi dito, de tocar o que ainda não foi sentido, que a alma se expande.
Inácio diante do seu processo de conversão vai aos poucos tomando novos rumos. Estes lhe parecem ser tão diferentes e tão obscuros, por não ter claro a vontade Divina. De todo modo, o Peregrino se lança sem medo. Vive seu novo exercício interior como um retiro para uma nova abertura a ponto de compreender que aquilo foi tão bom para si que não pode deixar de partilhar com o outro. Por isso, propõe os Exercícios Espirituais às outras pessoas.
Assim somos todos nós: chamados e chamadas a partilhar o melhor que temos e descobrimos. Porque as grandes transformações não nascem apenas de grandes feitos, mas nos pequenos gestos, um sorriso, uma escuta atenta, uma palavra de encorajamento. É no dia a dia, nas escolhas silenciosas e nos atos de bondade despretensiosa que o mundo se renova. Cada gesto de cuidado é uma semente de mudança, cada partilha sincera é um convite à esperança, estamos em um ano que a Igreja nos convida a viver e espalhar esperança.
A PEREGRINAÇÃO significa o caminhar da fé, não se deixar
paralisar pelo desânimo e as dificuldades da vida,
já que todo verdadeiro cristão deve ser um peregrino e
caminhante a trilhar o percurso daqueles que não se deixam esmorecer.
(SCHMIDT, Gerson. Esperança nos faz peregrinos)
Inspirados pelo jovem de Loyola, somos feitos de encontros, de aprendizados mútuos, de mãos estendidas. E quando nos permitimos doar o que há de mais verdadeiro em nós, tocamos vidas, inspiramos caminhos e construímos juntos um amanhã mais humano. Somos jovens e há em cada um de nós uma força transformadora capaz de acender luzes e abrir novos caminhos. Coragem!
Referências
SOSA, Arturo, SJ. A caminho com Inácio. São Paulo. Edições Loyola, 2021.
SOSA, Arturo, SJ.1 Santo Inácio de Loyola. Converter-se em peregrino.
SCHMIDT, Gerson. Esperança nos faz peregrinos. Disponível em: <https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2025-01/esperanca-nos-faz-ser-peregrinos-padre-gerson-schmidt.html>. Acesso em 23 jun. 2025.
Fonte: MAGIS Brasil