“As escolas precisam promover confiança, escuta e acolhimento”

Claudia Gindre é psicóloga clínica e escolar, psicanalista, mestre em educação e membro associada do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro. Durante muitos anos, atuou como psicóloga e orientadora do Colégio Santo Inácio, do Rio de Janeiro (RJ). Na entrevista a seguir, ela fala sobre as competências socioemocionais, os desafios da escola e a importância do envolvimento das famílias nessas questões para impulsionar o processo de ensino e aprendizagem.

O que podemos entender por competências socioemocionais?
Na escola, quando pensamos em um determinado tema, sempre nos referimos aos documentos oficiais do Ministério da Educação. Hoje, o que nos norteia quando pensamos em habilidades socioemocionais é a BNCC, as Bases Nacionais Curriculares Comuns. A escola tem que pensar sempre na formação integral dos sujeitos e o desenvolvimento de habilidades socioemocionais está intimamente relacionado a isso. As novas formas de organização familiar, a entrada da mulher no mercado de trabalho, as necessidades que as famílias têm de uma orientação mais específica, mais diretiva, e as próprias mudanças da infância e da adolescência, no decorrer do tempo, fizeram com que fosse necessário trabalhar essas habilidades socioemocionais. Elas são a possibilidade do sujeito, diante de situações novas e inusitadas, não planejadas e impensadas, darem respostas mais criativas e singulares. A ideia é que diante de situações que surgem, as crianças possam oferecer respostas, ao mesmo tempo satisfatórias do ponto de vista do convívio social e da empatia, ou seja, da possibilidade de se colocarem no lugar do outro.

Quais são as competências socioemocionais?
Em primeiro lugar, é importante dizer que os conteúdos escolares formais se relacionam com as habilidades socioemocionais, mas não se limitam a elas. Para que haja o reconhecimento de si e do outro como sujeitos na interação social, trabalhando a sua formação global para além dos conteúdos formais apresentados, a BNCC definiu cinco competências:

Autoconsciência: Quando a criança entra na Educação Infantil, ela ainda não tem mecanismos, como autoconhecimento, autorregulação. O documento da BNCC está relacionado aos documentos da Unesco, que dizem que nós devemos educar para a paz. O que quer dizer isso? Que a nossa convivência em sociedade deve ser harmoniosa, pacífica, empática. E a criança pequena ainda não tem condições de perceber isso. É uma questão de amadurecimento cognitivo e emocional. E é no processo de escolarização que se trabalham estes aspectos, através de atividades cotidianas, de modo que essa criança desenvolva, em primeiro lugar, a autoconsciência. Ela tem que ser capaz de identificar que afeto, que sentimento ela está experimentando naquele momento.

Autogestão: Eu sei como eu estou me sentindo? Agora, eu preciso saber o que eu vou fazer com isso. Então, diante desse sentimento, eu consigo identificar como é que eu vou lidar com cada situação. Qual deve ser o objetivo da educação? Ele é quase uma sensibilização do sujeito para tomar atitudes na hora em que ele vai se autogerir. Na hora em que ele vai fazer as suas escolhas, de modo que essas não machuquem o outro e que todos nós partamos da premissa de ‘não faça ao outro o que você não gostaria que fosse feito com você’.

Consciência social: É entender em que lugar você está. Nós vivemos no nosso país e em muitas sociedades do mundo muita desigualdade entre as pessoas e entre os grupos de pessoas, entre as comunidades. Então, é muito importante que os sujeitos consigam construir a capacidade de perceber, reconhecer e valorizar essas diferenças. Quando a gente trabalha, por exemplo, com os adolescentes, a gente espera que na adolescência, aquele sujeito olhe o outro em dificuldade e queira promover alguma ação ou tenha alguma atitude que o tire do lugar de dificuldades. Eu preciso ser mais para os outros. Ter a sensibilidade de olhar o entorno para, quando tiver a possibilidade, agir de maneira empática, de maneira solidária. E isso é uma habilidade emocional.

Habilidades de relacionamento: Não adianta eu ser melhor para o outro mais distante. Eu preciso ser melhor para o “próximo mais próximo” . Essa é uma frase que eu sempre usava com os alunos. Não adianta você querer ser melhor para o próximo imaginando ser o próximo, aquele da Campanha da Fraternidade. Eu preciso ser melhor para o próximo com quem convivo também . E isso é um grande desafio. Por que se relacionar com o outro esbarra sempre na diferença. Eu quero comer sorvete e o meu amigo quer tomar sopa. E sorvete e sopa, no geral, se compram em lugares diferentes . Como é que eu vou entrar em acordo com essa pessoa, para que eu tenha o meu desejo atendido, mas para que isso não implique que ele fique desassistido no desejo dele? Então, as possibilidades de relacionamento fazem parte das competências socioemocionais.

Tomada de decisão responsável: É uma tomada de decisão que não gera dor física nem humilhação, a si próprio ou ao outro. E qual é o grande desafio das escolas? O grande desafio das escolas é ter sensibilidade, com proximidade, com confiança e com escuta. E essas três coisas são pilares das relações. As escolas precisam, através de seus gestores, promover confiança, escuta e acolhimento. A partir disso, você vai, em cada pequeno gesto até grandes decisões acadêmicas, grandes ações pedagógicas, trabalhar o processo decisório como algo estratégico e benéfico para a comunidade.

Qual é a importância de as escolas trabalharem as competências socioemocionais com as famílias?
Pensar em habilidades socioemocionais sem pensar nessa parceria – escola e família – é impossível. Como é que envolvemos uma família? Em primeiro lugar, a família precisa estar convencida de que tudo o que está sendo feito dentro da escola está sendo feito para o benefício do(a) filho(a) dela. Em segundo lugar, a escola tem a missão de se apresentar para as famílias como um espaço que tem a capacidade de escutá-las, acolhê-las, mas nem sempre dizer ‘sim’ para elas. Por quê? Por amor à educação dos seus filhos e filhas. A função da escola é transformá-los em cidadãos. O cidadão é o sujeito que vai viver na coletividade. O sujeito deve abrir mão, em muitos momentos do seu egocentrismo, da sua vaidade pessoal, das suas vontades únicas e exclusivas para dar vez e voz ao outro. ‘Mas eu quero que as vontades do meu filho sejam atendidas, porque ele precisa disso, senão ele vai sofrer muito’. Será que ele vai sofrer mais se ele aprender a lidar em sociedade ou se ele tiver todas as vontades atendidas como se deseja em família? Então, o primeiro ponto que a escola precisa trabalhar  hoje é a escuta acolhedora e a confiança da família. O despertar desse sentimento de confiança na família, de que o que se está fazendo dentro da escola está se fazendo pelo benefício da própria criança e apoio à família, permitirá que se construa uma relação saudável. Isto facilitará muito o trabalho com todos os alunos.

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