Por Michael A. Martinez, SJ, do Centro Loyola, de Belo Horizonte (MG)
O Exame Inaciano não é uma oração que se recita, é uma oração que se aprende a viver. Mais do que nunca, o nosso mundo tem fome de uma oração autêntica, onde o amor a Deus, ao próximo, à criação e a si mesmo manifestam-se verdadeiramente como um (cf. Mt 22,34-36). O Exame é uma resposta poderosa a esse anseio humano por mais profundidade em nossas vidas pessoais e na sociedade.
O jesuíta norte-americano, Pe. Walter Burghardt, SJ, descreveu o objetivo da contemplação como um “olhar longo e amoroso ao real” (“a long, loving look at the real”). Esta também é a essência do Exame Inaciano: uma pausa de silêncio exterior e interior para tomar consciência da realidade de nossas vidas, a partir do olhar amoroso, integral e redentor de Deus. Não deve nos surpreender quando alguns jesuítas, apropriadamente, renomeiam o Exame Inaciano “Oração de Atenção Amorosa”. Essa mudança pode nos ajudar a lembrar de “examinar” intencionalmente a realidade com amor e misericórdia e não como um mero raciocínio crítico e esmagador.
O Exame é uma oração de radical acolhimento da realidade. Uma oração de aventura, onde se descobre, aos poucos, o Senhor vivo e ativo na nossa vida cotidiana, desde o mais ordinário até o mais extraordinário. Ao rezar e viver o Exame, tomamos plena consciência de quão presente Deus está, sempre e em todo lugar (cf. Sl 139, 7-12). Essa realidade consoladora do passado nos permite, no presente, seguir caminhando confiantes no futuro, de mãos dadas com um Deus companheiro.
Com total liberdade, aqui está uma breve explicação de como praticar e viver a oração do Exame Inaciano, em seis passos:
Prepare-se para a oração. Crie o espaço para um encontro intencional entre você e o Senhor.
- Quando? Escolha um horário regular para rezar o Exame. Geralmente, incentiva-se fazer no início, meio ou final do dia, mas qualquer hora é um bom horário para praticar. Como li uma vez: “Se fizeres o Exame uma vez – vai ser útil – se o fizeres todos os dias, pode trazer-te transformação”.
- Como? Crie o silêncio exterior necessário, encontrando um local tranquilo. Crie silêncio interior, acolhendo e permitindo que seus pensamentos se acalmem, ou seja, respire profundo algumas vezes, coloque o corpo numa postura confortável, etc. Se ajudar, pode também fazer o Exame caminhando, no carro ou onde você consiga recolher-se interiormente. O Exame é precisamente feito para ser orado no meio do dia, entres as atividades cotidianas.
- Quanto tempo? É recomendado que o tempo total do Exame não seja mais de 10-15 minutos, mas sinta-se à vontade para tornar esse encontro tão longo ou curto quanto achar proveitoso.
Passo 1: Entro pela porta do “agradecimento” antecipado
“Nisto está o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou” (1 João 4,10)
Lembro que Deus sempre me precede na realidade e já deu o primeiro passo para sair ao meu encontro. Saindo de mim mesmo, entro pela porta da humilde gratidão a Deus em tudo e por tudo (cf. 1Ts 5,18). Agradeço a presença amorosa de Deus e trago ao coração todas as coisas pelas quais sou grato neste momento, escolhendo coisas concretas (ex.: a xícara de café que bebi, uma conversa grata com um amigo/a, a beleza do sol, etc.), mais que coisas abstratas ou gerais. Lembro que a gratidão não é um sentimento, mas uma atitude, uma postura diante do outro. Porém, este primeiro passo me lembra que o foco da oração é Deus, seu amor e seu agir em minha vida. Começo o Exame, acolhendo a verdade radical que Santo Inácio escreveu nos Exercícios Espirituais: “tudo é dom, tudo é graça” (n. 322).
Cultivo o agradecimento a Deus por 1-2 minutos.
Passo 2: Peço luz para que o meu olhar seja o olhar de Deus
“Deus é luz e nele não há trevas” (1 João 1,5)
Se a porta de entrada foi o agradecimento, agora, toca ligar a luz para enxergar bem o que Deus quer me revelar. Jesus diz em Mateus 6,22-23: “A lâmpada do corpo é o olho: se teu olho for bom, ficarás todo cheio de luz. Mas se teu olho for mau, ficarás todo em trevas”. Portanto, peço ao Espírito Santo a graça de orar, ver e compreender com luz divina para que meu olhar seja o mesmo olhar de Deus sobre mim e minha realidade. Os primeiros dois passos do Exame vão juntos e às vezes aparecem intercambiáveis. Pode-se até dizer que é a luz do agradecimento que me permite ver a presença do Espírito em minha vida e, ao mesmo tempo, que é a luz do Espírito que me leva a agradecer.
Peço essa luz do Espírito por 1 minuto.
Passo 3: Olho e examino meu dia junto com Deus
“Não creias em qualquer espírito, mas examinai os espíritos para verdes se são de Deus” (1 João 4,1)
Permito que Deus use minha imaginação e repito os eventos do dia. É muito importante que não seja meramente o nosso olhar crítico e analítico que reveja o dia; antes de tudo, é um enxergar junto com Deus, permitindo que ele observe meu dia e que eu participe de seu olhar amoroso (cf. Mc 10,21). Certa vez, um amigo escreveu-me, num poema, que este olhar divino é: “o olhar que nos garante que somos amados // o olhar que nos arranca de nós mesmos… // aquele olhar que nos suscita o arrependimento // aquele olhar que dá força para perdoar // aquele olhar que causa a maior dor // uma taça de vinho doce.” Portanto, deixo Deus revisar e “examinar” pacientemente o meu dia junto comigo – ex.: atividades, atitudes, sentimentos, ações, acontecimentos e pensamentos, etc. – tal qual foi a realidade do dia. A imagem de Deus que me ajuda a olhar e a discernir não deve ser a imagem de um Deus juiz e cobrador. É a imagem de Deus amigo, arqueólogo e/ou médico, que aprofunda a realidade para iluminar, sanar e resgatar.
Amorosamente olho e examino com Deus por 5-7 minutos.
Passo 4: Reconheço e acolho as rupturas de comunhão
“Se dissermos que estamos em comunhão com ele, mas caminhamos nas trevas, estamos mentindo e não praticamos a verdade. Mas, se caminhamos na luz, como ele está na luz, então estamos em comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado.” (1 João 1,6-7)
Encaro minhas “rupturas de comunhão” do dia com transparência – não apenas minhas limitações de erros mundanos e cotidianos – mas, com “atenção amorosa”, identifico as áreas onde poderia ter vivido com maior amor a minha relação com Deus, com os outros, comigo mesmo e com a criação. Na Sagrada Escritura, estas variadas “rupturas de comunhão” são chamadas de “pecados”. São “falhas contra o verdadeiro amor para com Deus e para com o próximo, por causa dum apego desordenado a certos bens. Ferem a natureza do homem e atentam contra a solidariedade humana” (Catecismo da Igreja Católica, n. 1849). Neste quarto passo do Exame, acolho a realidade dessas “rupturas” diante de Deus e peço-lhe perdão, à luz de sua divina misericórdia (cf. Lc 15:1-32) para seguir crescendo em maior comunhão.
Reconheço e me responsabilizo por minhas rupturas de comunhão por 2 minutos.
Passo 5: Olhar o futuro para maior comunhão
“Não amemos com palavras nem com a boca, mas com ações e em verdade! Nisso conheceremos que somos da verdade, e diante dele tranquilizaremos o nosso coração” (1 João 3, 18-19)
Na caminhada, neste passo, trato de olhar para o futuro. Recebendo todos esses desejos que me impulsionam para uma comunhão maior (cf. Cl 1,9-20), principalmente descobertos no Filho de Deus que “tira o pecado do mundo” (João 1,29), peço a Deus a graça particular que preciso hoje e/ou amanhã. Que passo concreto posso dar para continuar buscando e vivendo a vontade de Deus? Suscito o desejo de responder ao sonho de Deus de me tornar plenamente vivo (cf. Jo 10,10), em comunhão com ele, com os outros, comigo mesmo e com toda a criação.
Peço a graça que estou precisando, neste momento, e nomeio o seguinte passo para o futuro por 1-2 minutos.
Passo 6: Saio pela porta do “agradecimento” experimentado
“Amados, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus… Deus é amor.” (1 João 4,7-8)
Confio nas últimas palavras de Cristo ressuscitado aos discípulos, no Evangelho de Mateus: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (28,20). É com essa confiança na “alegria do Senhor que é nossa força” (Ne 8,10) que saio do Exame Inaciano para continuar vivendo minha vida, agora, com maior profundidade de agradecimento, discernimento e foco.
Agradeço tudo o que experimentei nesta oração por 1 minuto.
Amém.
Santo Inácio de Loyola sempre deixou claro, para os jesuítas e para todos os que desejam viver a espiritualidade Inaciana, que a prática diária do Exame nem sempre é fácil, mas certamente é fundamental. Se o Exame é para viver com maior profundidade, só se pode aprender a viver, vivendo. E se a oração diária é um modo de amar com maior profundidade na vida cotidiana, só se pode apreender amar, amando cotidianamente. Para os nossos tempos, a prática do Exame será um modo efetivo de combater a perniciosa “Cultura da Correria”, trocando-a pela libertadora “Cultura da Atenção Amorosa”. O Exame nos ensina como caminhar (e não correr) com direção, paz e propósito.
O filósofo Sócrates estava certo quando escreveu: “a vida não examinada não vale a pena ser vivida”. Unidos com todos os que praticam o Exame Inaciano, pedimos a graça de viver uma vida que valha a pena ser vivida.
Quer aprofundar mais na prática e vivência do Exame Inaciano?
Livros
• “A Oração do Exame: Sabedoria inaciana para as nossas vidas no tempo presente”, por Timothy M. Gallagher, OMV (Veja o Prefácio, Introdução e Índice do livro disponível em PDF)
• “O exame de si mesmo: O autoconhecimento à luz dos Exercícios Espirituais”, por Adelson Araújo dos Santos, SJ:
• “Redescubrir el examen ignaciano: Diferentes maneras de rezar partiendo de tu día”, por Mark Thibodeaux, SJ.
Artigo
• Artigo maior explicando o Exame Inaciano: “Exame de Consciência: Um Modo de Orar” (excerto de: MAGIS SUBSÍDIOS, Número 02 – 1999)
Vídeos
• Vídeo (3 minutos) explicando os Cinco Passos do “Exame de Consciência Inaciano” (MAGIS Brasil)
• Vídeo (9 minutos) dum Exame Inaciano Guiado (“Como fazer o Exame de consciência diário no modelo inaciano?”) com o Pe. Laércio Lima, SJ, atual Secretário para “Colaboração, Fé e Espiritualidade” da Província do Brasil.
Áudio
• Sete propostas de áudio para rezar um Exame Inaciano Guiado (e um Exame adaptado para jovens) por “Passo-a-Rezar”, uma iniciativa da Rede Mundial de Oração do Papa confiada à Província de Jesuítas Portugal.
Notas finais
Curiosamente, o Exame Geral nos Exercícios Espirituais, n. 43, em que se inspira o nosso Exame Inaciano, é originalmente desenhado para identificar os pecados e libertar-nos deles em cinco passos:
• Primeiro ponto é dar graças a Deus nosso Senhor pelos benefícios recebidos.
• Segundo, pedir graça para conhecer os pecados e libertar-se deles.
• Terceiro, pedir conta à alma, desde a hora em que se levantou até ao exame presente, hora por hora ou período por período, primeiro, dos pensamentos, depois das palavras, e depois das obras, pela mesma ordem que se disse no exame particular.
• Quarto, pedir perdão a Deus, nosso Senhor, das faltas.
• Quinto, propor emenda, com sua graça.
• Pai-Nosso
* Reconheço que nem o Exame particular e cotidiano [E.E. 24-31] nem o Exame geral [E.E. 32-43], em que se baseiam este Exame Inaciano, contêm o agradecimento como último passo. Em minha experiência e prática do Exame, o agradecimento é a atitude principal e fundamental para entrar na oração do Exame e para poder seguir caminhando após todo tipo de oração.
Fonte: Rede Servir