Por Bertha Andrea Martínez Jiménez, conselheira no Colégio Santa Luisa, em Bogotá (Colômbia), e mestre em Neuropsicologia e Educação.
A educação é um processo transformador que busca não apenas a aquisição de conhecimento, mas o desenvolvimento integral do ser humano. Daí a exigência que cabe à escola e em geral sobre o sistema educacional, pois se vê atravessado por diferentes apostas políticas e teóricas que configuram o perfil tanto do professor sala de aula, bem como do professor orientador ou conselheiro escolar. Ambos, como profissionais da educação, devem compreender, atender e resolver a complexidade e a diversidade das situações escolares como parte do seu trabalho pedagógico, sem descurar que o campo de trabalho da educação ultrapassa os limites da escola, pois os educadores estão imersos em um ambiente com dinâmicas culturais, sociais, econômicas e políticas, que podem ser analisadas de diferentes posições, perspectivas e disciplinas.
Em primeiro lugar, a Pedagogia Inaciana, baseada na visão espiritual e educativa de Santo Inácio de Loyola, consolidou-se como uma abordagem humanística que coloca o aluno no eixo da aprendizagem, promovendo não só o seu crescimento académico e emocional, mas também sociais e espirituais. Este modelo pedagógico busca formar indivíduos conscientes e comprometidos com a justiça e o serviço ao próximo, integrando valores éticos em todos os aspectos do processo educativo.
Dessa forma, o orientador desempenha papel crucial, pois seu trabalho vai além de ministrar oficinas de prevenção e afetividade. Torna-se um guia que facilita a descoberta pessoal, espiritual e social do aluno, promovendo uma aprendizagem integral e significativa. Segundo García-Huidobro (2001), “a Pedagogia Inaciana distingue-se pela busca da excelência humana e profissional, sem dissociá-la da solidariedade e responsabilidade social” (p. 22), pois conecta o contexto, a experiência, a reflexão, a ação e avaliação como dimensões relevantes na configuração do ser humano.
O contexto, entendido como a necessidade de conhecer as circunstâncias pessoais, social e cultural de cada aluno, para personalizar o processo educativo; a experiência como o motor que impulsiona a aprendizagem, permitindo que os alunos se envolvam ativamente em situações reais que desafiam a sua compreensão; e então, através da reflexão, o aluno consegue internalizar as lições aprendidas, relacionando-as com sua vida e valores; a ação como tomada de decisões informadas e comprometidas; e, por fim, a avaliação procura medir tanto o progresso acadêmico quanto o desenvolvimento pessoal (García de Castro, 2014).
Tendo isto em mente, falaremos então sobre qualidade educacional numa perspectiva inaciana. Um conceito que evoluiu ao longo dos anos, afastando-se do foco exclusivamente do desempenho acadêmico para abranger o desenvolvimento integral do aluno. Na Pedagogia Inaciana, a qualidade educacional implica não só a aquisição de conhecimentos, mas também o cultivo de competências e valores que formam indivíduos íntegros e comprometidos com seu ambiente. Segundo a Unesco (2015), a educação de qualidade deve “garantir a aprendizagem ao longo da vida, promovendo competências acadêmicas e não acadêmicas em contextos diversos e desafiadores” (p. 43). Nesse sentido, a Pedagogia Inaciana fornece uma visão com ênfase na formação de indivíduos completos.
A qualidade educativa não é medida apenas pelos resultados dos testes padronizados, mas pela capacidade do aluno de relacionar o que aprendeu com sua vida diária e seu ambiente, para agir com justiça e altruísmo. Como aponta Scholas Occurrentes (2018), “a qualidade educacional na abordagem inaciana baseia-se no princípio da formação de cidadãos do mundo, consciente das necessidades dos outros e comprometido com a mudança social” (pág. 67).
Pois bem, hoje em dia falar em qualidade educacional envolve mais do que medir resultados acadêmicos. É necessário pensar numa educação que responda às necessidades e aos desafios de um mundo em mudança, sem perder de vista o desenvolvimento holístico do indivíduo. Neste sentido, a Pedagogia Inaciana oferece uma forma eficaz de alcançar elevados padrões educacionais, formando alunos reflexivos e socialmente responsáveis.
É aí que o papel do orientador assume protagonismo. Mais que um simples apoio em momentos de crise familiar ou emocional para o aluno, o orientador torna-se um farol e companheiro no processo educacional, ajudando-o a discernir seu próprio caminho de aprendizagem e enfrentar os desafios do mundo de hoje com uma visão crítica e solidária. O professor inaciano caracteriza-se por desempenhar o papel de guia, facilitador do discernimento pessoal e profissional de cada aluno. Como González y Ormazábal descreve (2010), “o professor inaciano assume a responsabilidade de acompanhar seus alunos na descoberta de suas capacidades e no desenho de seu projeto de vida” (p. 33).
Este apoio manifesta-se na criação de um ambiente de confiança onde o aluno pode se reconhecer e, acima de tudo, testar suas habilidades socioemocionais. O professor incentiva a reflexão crítica e a tomada de decisões responsáveis, apoia os estudantes a discernir o seu lugar na sociedade e o seu compromisso com a justiça social. Aqui a relação entre o professor orientador e o aluno é baseada no princípio da cura personalis, ou seja, o cuidado pessoal e particular de cada indivíduo, respeitando seus tempos e seu processo pessoal de aprendizagem (Arrupe, 1973).
Tendo isto em mente, e depois de tudo o que foi descrito, é pertinente aqui tentar compreender a relação entre a Pedagogia Inaciana, a qualidade educacional e o papel do professor orientador, uma convergência que resulta em ser uma bússola de um propósito comum na formação de indivíduos conscientes e competentes, comprometidos com o meio ambiente e capazes de enfrentar os desafios do mundo contemporâneo. Onde a qualidade educacional é enriquecida por uma abordagem pedagógica que valoriza não só o desenvolvimento acadêmico, mas também o desenvolvimento emocional e espiritual dos alunos.
Como aponta Sobrino (2016), “a educação inaciana não se contenta em formar profissionais competentes, mas pessoas capazes de transformar sua realidade a partir da empatia, justiça e serviço” (p. 85). O professor orientador torna-se o elo que une essas dimensões, atuando como facilitador e conselheiro no processo de aprendizagem, criando um indivíduo auto-reflexivo, crítico na tomada de decisões responsáveis e uma pessoa ativa e transformadora que navega nas águas da sabedoria para transformar as ações dentro de sua comunidade e cultura.
É fundamental ressaltar que esta questão merece maior abertura e reflexão, já que a Pedagogia Inaciana oferece uma visão renovada e profundamente humana da educação, voltada para a formação sistêmica e holística da pessoa, que por sua vez contribui para a definição do conceito de qualidade educacional, que está em constante redefinição, através de ferramentas valiosas para formar indivíduos comprometidos com seu ambiente e preparados para enfrentar e convergir com os desafios da sociedade atual. Um processo significativo, onde o professor orientador desempenha um papel decisivo, acompanhando e sendo uma bússola para o desenvolvimento pessoal e acadêmico dos seus alunos, proporcionando aprendizado socioemocional e acadêmico que transcende as salas de aula, apostando na educação de qualidade para todos, que nutre o coração e mente ao mesmo tempo.
Referências
Arrupe, P. (1973). Cura Personalis: Uma Reflexão Inaciana. Companhia de Jesus.
Garcia de Castro, I. (2014). Educação inaciana: um desafio atual. Editorial do Mensageiro.
Garcia-Huidobro, J. (2001). Pedagogia inaciana em tempos de crise educacional. Revista de Educação, 12(2), 20-35.
González, M., & Ormazábal, C. (2010). O professor como conselheiro na educação inaciana. Revista Ibero-Americana de Educação, 55(3), 30-45.
Scholas Occurrentes. (2018). Educação de qualidade e valores no mundo de hoje. Documento técnico.
Sobrinho, J. (2016). Educar para a justiça social a partir da pedagogia inaciana. cadernos Pedagogia, 128, 82-89.
Unesco. (2015). Rumo a uma educação de qualidade para todos. Relatório sobre educação mundial
* Artigo publicado no Boletim de outubro de 2024 do Centro Virtual de Pedagogia Inaciana (CVPI), da Conferência dos Provinciais da América Latina e do Caribe (Cpal) da Companhia de Jesus.
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