Por Pe. Odair José Durau, SJ, doutorando em Teologia Espiritual na Universidade Pontifícia de Comillas (Espanha)
Ao escrever a história de como Deus guiou Inácio de Loyola, Gonçalves da Câmara começa a sua Autobiografia com uma frase que desperta curiosidade: “Até aos 26 anos de idade, foi um homem dado às vaidades do mundo” (Autobiografia 1). Porém, como foi a sua vida até os 26 anos? Como era sua família? Como foi a sua educação? Como foi a sua formação humana? A seguir, destacaremos alguns elementos sobre a infância, adolescência e juventude de Inácio de Loyola que nos ajudarão a perceber alguns elementos que foram omitidos por Gonçalves da Câmara.
Infância
Inácio de Loyola nasceu provavelmente em 1491. Seu pai foi Beltrán Yánez de Oñaz y Loyola e sua mãe Maria Sáez (Sánchez) de Balda. Seus irmãos foram Juan Pérez, Martín García, Fernando (Hernando), Pedro López (sacerdote), Beltrán, Ochoa López, e outro que se desconhece o nome. Suas irmãs foram Joaneiça, Magdalena, Petrolina, Sancha e María Beltrán. Sendo Inácio o filho primogênito.
Inácio teve uma infância e adolescência confortáveis em Loyola. Sua família possuía uma propriedade bastante grande, mas não era muito rica em termos financeiros. Pelo menos, não o era em comparação com as famílias nobres espanholas da época. Sua família dedicava-se à agricultura, à pecuária e ao comércio. Também possuía estabelecimentos industriais, como a fábrica têxtil de Oyarzabal e a siderúrgica de Ubususaga, e dedicava-se à fundição, ao comércio e à exportação de ferro. Pode-se dizer que tinha uma situação econômica acima da média.
Jerónimo Nadal destaca que Inácio teve uma boa educação porque passou a infância em casa, aos cuidados dos pais e de um professor que o educou piedosamente e de acordo com a sua nobreza. Sua família professava a fé e os costumes católicos. Sua infância transcorreu cercado por três pessoas muito religiosas, a saber, sua mãe, Maria Sánchez de Licona, a esposa de seu irmão mais velho, Magdalena de Araoz, e Dona Maria López.
Adolescência e juventude
Entre os anos de 1505-1507, Inácio foi enviado por seu pai para viver e ser educado pelo contador do reino da Espanha (seria como o ministro da fazenda) chamado Juan Velázquez de Cuéllar, responsável pelas finanças dos Reis Católicos. Para Inácio, o cenário mudou em todos os sentidos. A primeira mudança foi externa, ou seja, de um ambiente geográfico agradável para outro mais árido. A casa onde Inácio nasceu era como um paraíso terrestre. Estava cercada por uma floresta e muitas árvores frutíferas. Sem dúvida, levava uma vida tranquila. Em sua nova vida, na companhia do contador, vivendo na cidade de Arévalo, ficou deslumbrado com um mundo novo, sobretudo, pela oportunidade de entrar em contato com os reis e outras pessoas que os acompanhavam, como os homens importantes do reino e os bispos. Ele também teve a oportunidade de visitar outras cidades como Segóvia, Burgos, Valladolid, Tordesilhas, Medina do Campo e Madrid.
Inácio permaneceu em Arévalo por cerca de doze anos. Durante esse tempo, desenvolveu inúmeras habilidades, entre as quais se destacam as seguintes: montar a cavalo, manejar a espada e cortejar as damas. Ele também teve tempo para ler livros de cavalaria e começou a aprender latim, poesia e caligrafia. Pode-se dizer que, sob os cuidados de Velázquez de Cuéllar, o jovem de Loyola se tornou um homem, em contato com a riqueza, a honra e o poder. Foi com o contador real que completou em sua alma a formação desse passado de cortesia e elegância cavalheiresca que já havia começado com seus pais em Loyola e que se prolongaria com a suntuosa biblioteca da casa de Juan Velázquez. Esta continha numerosos livros, como a Gramática de Antonio de Nebrija, a Imitação de Cristo, o Retábulo da vida de Cristo e Os doze triunfos dos doze apóstolos, e vários livros de cavalaria. Em suma, Inácio viveu num ambiente marcadamente religioso, já que o contador era um homem devoto e piedoso.
Sua juventude foi marcada por situações complexas que afetaram sua vaidade e seu caráter. Contraiu uma doença grave no nariz que lhe causava um odor repugnante. Após inúmeras tentativas com médicos e medicamentos, ele se curou por meio de frequentes irrigações com água fria. Ele também visitava sua cidade natal às vezes e sua reputação era deplorável: diziam que ele se vestia de maneira desonrosa e tinha maneiras profanas. Além disso, juntamente com seu irmão, o Padre Pedro López, se envolveram em uma situação complicada em que os delitos cometidos foram considerados graves.
Em Arévalo, o jovem de Loyola passou por uma experiência marcante que o levou a mudar de tutor e de cidade. Juan Velázquez de Cuéllar perdeu todos os seus privilégios, se arruinou com dívidas, oprimido, deprimido pela perda do filho mais velho e profundamente entristecido pelas decepções sofridas. Adoeceu e faleceu em 12 de agosto de 1517. Em meio a essa ruína, sua esposa deu a Inácio a quantia de quinhentos escudos e dois cavalos e enviou-o ao duque de Navarra. Assim, partiu para Pamplona e, no final de 1517, começou a trabalhar como gentilhombre (cavaleiro) do duque de Navarra, Antonio Manrique de Lara.
Como cavaleiro, Inácio provavelmente desenvolveu três atividades principais: cortesã, militar e política. Em uma das missões que recebeu para proteger Pamplona de um ataque de soldados franceses, foi gravemente ferido em 20 de maio de 1521. Enquanto estava na cidade, sitiada pelos franceses e com o castelo abandonado, um tiro de canhão o atingiu e quebrou sua perna, fraturando o osso em vários lugares e ferindo-o também na outra perna. A partir deste episódio, quando Inácio tinha 30 anos de idade (e não 26) começou o processo de conversão que está descrito por Gonçalves da Câmara em sua Autobiografia.
Conclusão
A história inicial do jovem de Loyola, considerado por alguns como uma lacuna importante em sua biografia, permite-nos compreender sua personalidade forjada na história através do seu contexto. Deus concedeu-lhe liberdade e, com o tempo, moldou sua personalidade a partir de sua família, sua cultura, sua educação cortesã e as poderosas motivações de sua época. Através de nossa pesquisa e com base em testemunhos de referência, destacamos que Inácio era um jovem normal para seu contexto. Em sua vida, percebemos o comum e não o extraordinário.
Acreditamos que suas características culturalmente moldadas o guiaram e lhe proporcionaram os elementos para decifrar e responder aos convites divinos em uma estrutura antropológica concreta. Essa normalidade, muitas vezes impregnada de pecado, poderia ter sido motivo de escândalo para os padrões do século XVI. Hoje, porém, olhamos para ele com misericórdia e naturalidade. Quando voltamos à definição da palavra “Loyola”, que se refere a “lama”, “barro”, vemos Inácio em sua essência. Mais do que um capitão, um general ou um militar (um certo clichê literário), vemos nele o fruto e o resultado de seu contexto histórico.
Este é um resumo de um artigo publicado na Revista Xaveriana. Para ler o artigo completo com mais informações e detalhes dos primeiros anos de Inácio de Loyola, consulte https://revistas.javeriana.edu.co/index.php/teoxaveriana/article/view/40075.
Fonte: MAGIS Brasil