Falar em Projeto de Vida, no contexto da educação jesuíta, é ir muito além de planejar uma profissão ou traçar metas de futuro. Trata-se de um processo de discernimento integral, que envolve dimensões afetivas, espirituais, sociais e acadêmicas, ajudando os jovens a reconhecer quem são, o que dá sentido às suas vidas e de que maneira podem colocar seus talentos a serviço dos outros. A maioria das unidades da Rede Jesuíta de Educação (RJE) adota eixos temáticos para abordar o Projeto de Vida, como autoconhecimento, relações interpessoais, espiritualidade, responsabilidade social, orientação profissional e construção de valores.
Alguns colégios estendem esse trabalho para a Educação Infantil, com atividades lúdicas focadas em valores humanos, autoconhecimento e convivência. Já a partir do Ensino Fundamental, iniciam os programas de liderança e dias de formação, para, no Ensino Médio, os estudantes terem momentos destinados à orientação profissional, discussões sobre identidade e escolhas, projetos de voluntariado e iniciativas de imersão cultural. Segundo Renato Correia, SJ, pastoralista do Colégio Santo Inácio, em Fortaleza (CE), a escola tem um papel decisivo nesse processo ao “criar experiências que provoquem perguntas, despertem horizontes e, ao mesmo tempo, deem ferramentas para que o jovem aprenda a discernir, a tomar decisões com liberdade e responsabilidade”.
Mais do que respostas prontas, o que se busca é o acompanhamento de processos: a escuta atenta, o diálogo e a criação de espaços que favoreçam a consciência de si, a maturidade nas relações e o compromisso com a transformação do mundo. Para ele, o Projeto de Vida, inspirado pela espiritualidade inaciana, contribui para que os estudantes aprendam a reconhecer os movimentos interiores, a dar nome às suas buscas e a tomar decisões coerentes com seus valores.
Marcelo Sabino da Silva, coordenador de Formação Cristã do Colégio dos Jesuítas, em Juiz de Fora (MG), observa que o tema ganhou espaço com a reforma do Novo Ensino Médio. Ele ressalta que o diferencial da proposta educativa da Companhia de Jesus está em oferecer uma perspectiva que vai além da preparação profissional, estimulando o protagonismo juvenil e a consciência crítica. Nesse sentido, a formação integral que articula as dimensões cognitiva, socioafetivo e espiritual-religiosa se torna um trunfo pedagógico. “A proposta educativa da Companhia de Jesus tem a capacidade de entregar ao mundo pessoas sensíveis e dispostas a incluir o outro em seu projeto de vida”, afirma.
Essa evolução no olhar e nas escolhas também é percebida no dia a dia escolar. Para Melissa Misiuk de Castro, orientadora pedagógica e professora de Projeto de Vida no Colégio Catarinense, em Florianópolis (SC), o caminho percorrido pelos estudantes ao longo do Ensino Médio é como uma jornada, estruturada em três grandes perguntas: “Quem sou eu?”, “De onde venho?” e “Para onde vou?”. Ela observa que, no início, os jovens tendem a olhar mais para si mesmos, mas, com o tempo, aprendem a ampliar a perspectiva. “É muito bonito ver como os alunos amadurecem nesse processo. Aos poucos, percebem que esse caminho os prepara para ir além de si — para olhar para o outro, para a sociedade e para o papel que têm no mundo”, destaca.
O depoimento da ex-aluna da instituição, Dominique Araújo Paiva, ilustra esse impacto. “Foi no Projeto de Vida que consegui olhar para mim de um jeito que realmente fez diferença. As atividades me ajudaram a refletir profundamente sobre o que quero para minha vida, como posso ser uma pessoa cada vez mais focada nos meus objetivos, no que gosto de fazer e no que me faz sentido”, enfatiza, complementando que mesmo após concluir o Ensino Médio, as atividades e reflexões seguem presentes em sua vida, ajudando-a a encontrar seu espaço no mundo.
Dimensão curricular e institucional
Para Vanessa Araújo Correia, coordenadora da área de Projeto de Vida do Colégio São Luís, em São Paulo (SP), o trabalho com o tema precisa ser entendido de forma mais ampla. “Os pontos centrais que a escola deve considerar ao trabalhar o projeto de vida passam pela compreensão de que ele não se reduz a uma metodologia ou a uma ferramenta de planejamento individual, mas expressa uma concepção de formação e de organização escolar”, sugere.
Na dimensão curricular, “o componente deve se dedicar ao desenvolvimento socioafetivo e sociomoral dos estudantes, promovendo competências, habilidades e atitudes que os auxiliem a tomar decisões responsáveis, a construir posicionamentos críticos diante do mundo e a se reconhecer como sujeitos capazes de transformar a si mesmos e a sociedade”. Já na dimensão institucional, o bom resultado depende de acompanhamento pedagógico consistente, formação docente e espaços de participação estudantil. “É fundamental a criação de instâncias de participação estudantil e de projetos concebidos e conduzidos pelos alunos, como espaços de experimentação identitária, exercício criativo e construção da autonomia”, propõe.
Quando questionada sobre quais metodologias têm mostrado maior impacto junto aos estudantes, Vanessa ressalta que não se trata apenas de técnicas ou estratégias isoladas. “O Projeto de Vida não pode ser reduzido a uma metodologia ou a um conjunto de estratégias pontuais. Ele precisa ser entendido como uma dimensão estruturante da experiência escolar, um dos fios condutores que articulam as aprendizagens acadêmicas às aspirações pessoais, sociais e comunitárias dos(as) estudantes”, enfatiza.
No Ensino Médio, em especial, ganham força as propostas que valorizam a condição juvenil e a identidade estudantil. “No Colégio São Luís, por exemplo, os grupos de vida cumprem esse papel ao oferecer momentos de diálogo franco, de acolhimento das diferenças e de elaboração coletiva de projetos e horizontes de futuro. As metodologias que mais impacto têm junto aos estudantes não são apenas aquelas que inovam em técnicas didáticas, mas sobretudo as que conseguem conjugar acompanhamento próximo, escuta ativa, produção coletiva de sentido e um horizonte crítico que articule a trajetória pessoal às dimensões socioafetiva, cognitiva, espiritual-religiosa, cultural e ética da formação integral”, observa.
Vanessa reforça que a proposta do Projeto de Vida deve acompanhar o estudante em todo o percurso escolar. Dessa forma, ele se torna um fio condutor que dá sentido à experiência escolar e ajuda a integrar diferentes dimensões da vida. “Ao menos na perspectiva da tradição jesuíta, ele prepara não apenas para o futuro profissional, mas para uma vida plena, pautada por responsabilidade, solidariedade e compromisso ético e amoroso com o mundo”.
Experiências que transformam
No cotidiano escolar, o Projeto de Vida ganha forma em práticas que aproximam reflexão, espiritualidade e vida cotidiana. No Colégio Catarinense, explica Melissa, o trabalho não está isolado, mas dialoga com diferentes dimensões da formação: aulas curriculares, projetos de voluntariado, monitoria estudantil, encontros de Formação Humana e Cristã e reflexões em sala. Entre os destaques, estão os espaços de escuta e diálogo nas aulas de Projeto de Vida, que abordam temas como a relação com Deus, as escolhas profissionais e o cuidado de si e do outro, além da participação das famílias em encontros de partilha de suas trajetórias e decisões.
Já no Colégio dos Jesuítas, disciplinas como Mundo do Trabalho, que discute sustentabilidade e cuidado com a Casa Comum, ou Ciência e Ética, que aborda desigualdades no campo científico, ampliam a visão dos jovens sobre sua inserção no mundo. Já nas ações pastorais — como as Pausas Inacianas, Peregrinações, Missões e Ações Solidárias — os estudantes têm a oportunidade de vivenciar experiências de encontro e partilha que despertam o olhar para a própria vida e para o próximo. “Tanto o trabalho acadêmico, quanto o pastoral, colaboram eficazmente para que nossos jovens encontrem sentido profundo em suas escolhas de vida”, enfatiza Marcelo.
Outro espaço privilegiado é o Encontro de Formação Integral (EFI) da Rede Jesuíta de Educação (RJE), que proporciona vivências de grupo, momentos de silêncio e reflexão, além de atividades que desafiam os jovens a sair da rotina. Tudo isso inspirado na vida de Santo Inácio de Loyola e à luz dos Exercícios Espirituais, trabalhado em uma linguagem própria para jovens de 14 a 17 anos. “O EFI é uma das experiências mais ricas, pois tira os alunos da rotina e os coloca em situações inéditas. São oportunidades únicas para se perceber e se descobrir. Já aconteceu de alunos me procurarem após essas dinâmicas para conversar sobre questões profundas: escolhas de carreira, decisões de vestibular e até inquietações vocacionais. Para muitos, esses momentos são verdadeiros marcos de autoconhecimento”, confidencia Melissa, que esteve em algumas edições do Encontro como educadora. Dominique também teve a oportunidade de participar do EFI como estudante. “Esses momentos foram essenciais para refletir sobre quem eu sou, quem quero ser, por onde já andei e por onde ainda quero caminhar”.
Seja no espaço curricular, nos projetos comunitários ou nas experiências pastorais, o Projeto de Vida se confirma como um eixo estruturante da formação jesuíta, que acompanha os jovens em sua trajetória pessoal e acadêmica, ajudando-os a encontrar sentido em suas escolhas e a sonhar com um futuro em que possam ser mais para os demais.