Para além da crítica da dicotomia entre as competências necessárias para o exercício de uma carreira profissional e as múltiplas escolhas que devem ser realizadas pelos jovens no Novo Ensino Médio em um mundo VUCA, volátil, efêmero, complexo e incerto, esperamos refletir sobre a importância da formação para a liderança inaciana, conectando teoria e prática à luz da dialética reflexão – ação, como orientação enquanto um modo de ser e estar na complexidade do mundo hodierno.
A ideia de mundo VUCA surgiu na década de 1990, para explicar as complexidades da conjuntura geopolítica global. Em 2008, começou a ser aplicada à falta de previsibilidade do cenário mundial e da crise econômica, numa conjunção de fatores que passou a exigir das empresas uma readaptação frente à transformação digital e às novas exigências do mercado consumidor.
Neste horizonte, pensar um projeto para o Novo Ensino Médio exige que se considere o cenário de imprevisibilidade, interpretando-o a partir dos fundamentos da educação e analisando os valores educacionais que se mantêm expressivos e relevantes na resposta a esse contexto.
O filósofo e educador holandês Gert Biesta, uma referência no campo da Pedagogia Crítica e um agudo problematizador do discurso educacional atual, ao analisar a linguagem não como reprodução da realidade, mas enquanto constituinte desta, reivindica a necessidade de construção de uma semântica própria da educação para a educação. Ressalta o cuidado que devemos manter em relação à manutenção de uma escola que se ocupe com o cuidado e a proteção dos jovens, resistindo, em parte, às demandas pautadas pela sociedade. Nesta ótica, Biesta reitera o papel da escola enquanto espaço de formação, ou seja, trazendo consigo a perspectiva do encontro da criança com o mundo, numa interação pela qual ambos adquirem certa forma. Mas, para Biesta, este “encontro não pode ser entendido como a simples impressão da forma do mundo na criança. É um encontro no real sentido da palavra, em que algo acontece na criança e no mundo”. (2018, p. 22).
Traçado o pressuposto da escola enquanto formação, retornamos à proposta dessa leitura crítica e dialética, no sentido de ler a realidade a partir da ótica dos valores mesmos da educação e de conceber o exercício de aplicação desses princípios ao projeto do Novo Ensino Médio, como tentativa de resposta aos anseios das juventudes, especialmente em relação aos seus projetos de vida.
Este movimento parte do reconhecimento preliminar da necessidade de rompimento com qualquer forma de fragmentação do conhecimento, bem como de ruptura do distanciamento do que se aprende e a vida, ganhando ainda mais evidência o conceito de integralidade. Ainda nesse sentido, o Novo Ensino Médio tem como pressuposto o desenvolvimento de competências e habilidades a partir de trilhas nas quais os estudantes possam fazer escolhas de componentes curriculares e projetos que deem sentido e significado aos seus objetivos de realização pessoal.
Para tanto, o apostolado educativo da Companhia de Jesus destaca as dimensões cognitiva, socioemocional e espiritual-religiosa enquanto horizontes a serem alcançados por meio de estratégias formativas intencionais, vislumbrando na fórmula da pessoa consciente, compassiva, competente e comprometida o fim educativo culminante, com vistas à formação integral dos indivíduos na perspectiva do protagonismo juvenil, especialmente como caminho e possibilidade para a formação de lideranças inacianas.
Foto: Processo de gravação do vídeo “Qual é a tua bala de canhão”. Fonte: Arquivo do Espaço MAGIS Anchieta.
José María Guibert (2017), autor da obra em espanhol El Liderazgo Ignaciano, una senda de transformación e sustentabilidade, destaca que o adjetivo inaciano relacionado à liderança permite traçar paralelos em relação aos Exercícios Espirituais e à sua dinâmica das quatro semanas. O exercitante pede a alegria da liberdade e a ordenação dos afetos que levam a um profundo autoconhecimento e a uma capacidade de projetar-se em uma missão, o que, na perspectiva no Novo Ensino Médio, pode ser desenvolvido no acompanhamento dos estudantes em seus Projetos de Vida.
Por fim, Guibert (2017) destaca, na perspectiva da liderança Inaciana, a necessidade do desenvolvimento do conhecimento pessoal e das competências pessoais, sociais e estratégicas. A partir do contexto VUCA e dos desafios impostos pelo Novo Ensino Médio e aderindo a uma concepção mais espiral dos processos educativos e formativos-é premente reconhecer que tudo está conectado e se constitui como substrato para o constituir-se liderança, enquanto modo de ser e de proceder para o desenvolvimento de um projeto de vida aberto à realização plena da pessoa com os outros no mundo.
Assim, em Biesta (2018) e Guibert (2017), resgata-se um fazer educativo comprometido com a formação e a integralidade e capaz de fazer frente a um contexto volátil, efêmero, complexo e incerto, garantindo-se que, a partir do desenvolvimento de sua subjetividade, o indivíduo se reconheça enquanto sujeito a partir do reconhecimento crucial do outro. Sob esse prisma, o Novo Ensino Médio é condição de possibilidade da inauguração de uma nova via na perspectiva da formação integral dos Jovens do século XXI.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BIESTA, Gert. O dever de resistir: sobre escolas, professores e sociedade. Revista Educação – v.41, n.1, p.21-29, jan/abr/2018. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/view/29749/16843
GUIBERT, JOSÉ MARÍA. El Liderazgo Ignaciano, una senda de transformación e sustentabilidade. Malianho, Espanha, Sal e Terra, 2017.
AUTORES
Marcio Longhi Coordenador do SOREP do Colégio Anchieta – RS |
Cleiton Getzler |