“Louvado sejas, ó meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe Terra,
Que nos sustenta e governa, e produz frutos,
Com flores coloridas e verduras”.
(O Cântico das Criaturas, São Francisco de Assis)
Vivemos um momento de crise: o equilíbrio de Gaia¹ está seriamente ameaçado. A teoria de Gaia concebe o planeta como um ser vivo que sente, em todas as suas entranhas, qualquer ato imperfeito do homem – e por isso, no tempo presente, a natureza clama por socorro.
A ampla destruição do meio ambiente ameaça o futuro do planeta; o risco ambiental coloca em xeque nossas formas de agir sobre o mundo. Essa crise exige mudança de atitude diante de questões como os limites do crescimento econômico, mas também nos faz refletir acerca da avidez da exploração dos recursos naturais e da consequente expansão exponencial da pobreza e da desigualdade social.
No desenrolar do século XXI, é urgente e necessário repensar o modo como o ser humano interfere nos ecossistemas. O “confronto” com a natureza, inaugurado na Modernidade, deve ceder espaço a um novo modelo de desenvolvimento, baseado no entrosamento harmônico com o meio natural.
Devemos compreender, ainda, que a “Ecologia Integral envolve uma nova lógica da vida, com novas exigências científicas, políticas e éticas dentro da perspectiva da interdependência, compaixão e solidariedade”. (FOLLMANN, 2020, p. 13). A expansão desse conceito pressupõe a inclusão das abordagens social, política e econômica na problemática ambiental, o que inaugura uma perspectiva fundamental da educação implicada na formação integral.
Somos convidados a atuar, no tempo presente, como homens e mulheres comprometidos com a criação, pela construção de um mundo novo. Nesse momento crucial, é indispensável “promover e restabelecer relações justas com Deus e com os outros seres humanos, da mesma forma e com a mesma urgência [com que] somos chamados a restaurar e curar as relações corrompidas com a criação”. (CURAR, 2011, p.7).
Na carta encíclica Laudato si’ (2015), o Papa Francisco lembra que “a educação será ineficaz, e os seus esforços estéreis, se não se preocupar também por difundir um novo modelo relativo ao ser humano, à vida, à sociedade e à relação com a natureza”. (FRANCISCO, 2015, n. 215). Por isso, sintonizada à missão evangelizadora da Igreja, a educação jesuíta, no exercício de projetar sua ação educativa para atender aos desafios do século XXI, leva em consideração que a construção dos currículos escolares deva responder aos novos horizontes contextuais, com vistas ao serviço da fé, da justiça e do cuidado com o meio ambiente.
Também o documento Colégios Jesuítas: uma tradição viva para o século XXI (2019) alinha importantes temas que deverão motivar o reposicionamento das escolas jesuítas frente aos desafios curriculares e humanos do futuro. A crise ambiental, a interculturalidade, a inclusão e a cidadania global são conceitos centrais da proposta; “são realidades que, iluminadas pela fé e em comunhão com a Igreja, precisam fazer parte, de forma transversal, de um “currículo evangelizador” (VE 30), voltado para uma aprendizagem integral”. (PEC, 2021, p. 28).
Desde o lançamento do relatório especial Curar um mundo ferido, em 2011, até os dias atuais, a Companhia de Jesus tem expressado suas preocupações e estabelecido caminhos estratégicos para balizar ações nas diversas obras espalhadas ao redor do mundo. Essa preferência está claramente vinculada à vida e representa um sinal concreto na luta contra a destruição do meio ambiente – que ameaça nosso futuro como humanidade.
Todos os documentos chamam atenção para o cuidado com a criação e para a necessidade de as comunidades educativas jesuítas exercitarem na prática a reconciliação com o ambiente e com a justiça socioambiental. Isso em vista, temos por missão a formação integral de pessoas comprometidas com a cidadania global:
Cidadãos globais […] buscam continuamente aprofundar sua consciência sobre o seu lugar e responsabilidade, local e global, em um mundo cada vez mais interconectado; [são] aqueles que se solidarizam com os outros na busca de um planeta mais sustentável e um mundo mais humano, como verdadeiros companheiros na missão de reconciliação e justiça. (CONGRESSO RJE, 2020, p. 50 e 51).
Conforme alertam Barreiro e Remolina (2005):
A natureza e o planeta clamam por cuidado e nossa responsabilidade frente à depredação, causada pela voracidade do consumo e do capital e de cujas consequências fatais continuamente recebemos chamados de alerta, é de dar ênfase particular à ética e moral do cuidado do universo. Essa responsabilidade estende-se não apenas ao presente, mas principalmente ao futuro das gerações que nos sucederão (BARREIRO E REMOLINA, 2005, p.33).
Aproximar nossas comunidades educativas de um modelo de vida mais sustentável e consciente é uma tarefa desafiadora que todas as obras são convidadas a assumir. Mais que isso, precisamos despertar desde cedo o respeito pela natureza como parte do que somos.
Dessa maneira, ao propor um olhar diferenciado sobre nossos comportamentos, nossas atitudes e seus respectivos impactos, os estudantes das escolas jesuítas estarão conscientes de seu papel como cidadãos comprometidos com a criação, multiplicadores de atitudes ambiental e socialmente desejadas.
[1] Gaia é a personificação da Terra ou da Mãe-Terra, elemento fundamental da vida na mitologia grega.
Sobre a autora:
Louisa Carla Farina Schröter é diretora acadêmica do Colégio Catarinense, doutoranda em Educação pela UNISINOS e integrante do Comitê Lixo Zero.
Referências:
BARREIRO, Álvaro; REMOLINA, Gerardo. Sobre a tradição educativa e a espiritualidade jesuítas. São Leopoldo: UNISINOS, 2005.
CONGRESSO DA REDE JESUÍTA DE EDUCAÇÃO (RJE). Educação Jesuíta para a cidadania global. Discurso Padre José Alberto Mesa, S.J., Secretário Mundial para Educação Secundária e Pré-secundária da Companhia de Jesus; São Paulo: ANEAS, Loyola, 2020, p. 50-51.
CURAR um mundo ferido: relatório especial sobre ecologia. Secretariado de Justiça Social e Ecologia da Companhia de Jesus. Tradução de Martinho Lenz. Cadernos IHU, ano 9, n. 37, 2011.
FOLLMAN, José Ivo (org.). Ecologia integral: abordagens (im)pertinentes. São Leopoldo: Casa Leiria, 2020. v. 2.
FRANCISCO, Papa. Carta encíclica Laudato Si’: sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulus, 2015. 142 p.
PROVÍNCIA FRANCISCANA DA IMACULADA CONCEIÇÃO DO BRASIL – OFM. O Cântico das Criaturas. Disponível em: https://franciscanos.org.br/carisma/simbolos/o-cantico-das-criaturas#gsc.tab=0. Acesso em: 19 jun. 2022.
REDE JESUÍTA DE EDUCAÇÃO. PEC – projeto educativo comum da rede jesuíta de educação básica 2021-2025. São Paulo: Loyola, 2021. 110 p.
REDE JESUÍTA DE EDUCAÇÃO. Colégios Jesuítas uma tradição viva no século XXI: um exercício contínuo de discernimento. Tradução Pedro Risaffi. Disponível em: https://redejesuitadeeducacao.com.br/wp-content/uploads/2020/03/ColegiosJesuitasUmaTradicaoVivanosecXXI.pdf. Acesso em: 19 jun. 2022.